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'Beber e criar um personagem de conto de fadas era como um escudo'. As Me With Sinead - 3a parte

Atualizado: 2 de fev. de 2020

No dia 12 de dezembro de 2019, Florence participou do 11º episódio do podcast As Me With Sinéad com a escritora, acadêmica, influenciadora e radialista irlandesa, além de ativista em prol das pessoas de baixa estatura e da acessibilidade na moda Sinéad Burke. As duas conversaram por aproximadamente 50 minutos, em um dos episódios mais longos do podcast até agora.


O papo foi tão intenso e longo que nós vamos publicar a tradução em quatro partes, todo domingo aqui no site. Lembrando que todos os direitos desta tradução estão reservados para o Site Florence Brasil. Leia a primeira parte dessa entrevista aqui e a segunda parte aqui.


Você pode ouvir o As Me With Sinéad no Spotify, Apple Podcasts ou no mesmo site onde está a transcrição em inglês do episódio. Entre colchetes está a minutagem das falas, para facilitar a localização. E a conversa está logo abaixo da imagem!



[26:12] Sinéad Burke: Eu me deifno como extrovertida introvertida. Nos espaços em que me sinto mais segura, eu sou introvertida, mas para vivenciar o mundo de um jeito mais acessível, preciso me apresentar e educar pessoas sobre as experiências que vivi a fim de ter a permissão para andar por aí. Então fico alternando entre essas duas identidades de querer ser eu mesma e conviver comigo mesma, mas também precisando ser mediadora para outras pessoas. Mas e você? Você se sente mais extrovertida no palco ou ele funciona como uma espécie de casulo?


[26:55] Florence Welch: Quando estou no palco, sinto que tem algo que entra lá comigo que eu gostaria... Sempre tentei encontrar um jeito de acessar isso na minha vida, mas é essa coisa que entra comigo no palco e consegue dominar espaços. Eu sei dominar um espaço. E acho que é o mesmo que acontece quando estou ansiosa ou rezando para algo maior que eu me ajudar. Quando entro no palco, é quase como se algo estivesse ali, esperando e dizendo: “OK, nós vamos fazer isso.” É uma questão de relaxar um pouco, e sempre acontece quando relaxo, quando não estou me esforçando demais. Mas é esquisito porque o palco é onde você é mais vista e eu consigo desaparecer totalmente ali. Eu sou muito sensível, fico em estado de alerta máximo o tempo todo, também sou bem vaidosa e me preocupo muito com o jeito que as pessoas vão me ver, com o que estou fazendo e me questionando: será que disse algo errado? [27:58] Mas quando entro no palco, eu simplesmente não me importo com isso. Nem com a parte da vaidade. Afinal, você precisa fazer o corpo passar por tantas coisas, além de cantar e acontecem expressões faciais esquisitas ao longo do processo. Nada disso importa. As piores partes de mim passam a ser úteis ou são absorvidas. E é uma libertação muito grande desse tipo de pessoa confusa que eu sou. É quase uma dissonância cognitiva, que eu gosto muito. [28:31] É como se o que está fora do palco, a ansiedade, a inquietação e sensibilidade excessiva, subitamente passasse a ser muito útil e você pode jogar essa energia para fora a fim de trazer todos para o mesmo lugar com você e coletar energia, sabe? Não ter essa camada de pele que as outras pessoas têm e as ajudam a funcionar no dia a dia, que parece ser o meu caso, acaba virando uma espécie de superpoder.


[29:00] Sinéad Burke: Mas você não seria capaz de fazer o que faz sem isso. E eu digo com base na minha experiência. Acabei de fazer uma palestra em uma escola e um dos professores disse: “Como você faz isso? Como você rege e conduz a plateia na sua frente?” Não que isso seja igual a se apresentar, mas acho que tem a ver com empatia e respeito. E essa ideia que são duas coisas que precisei conquistar, o que significa que entendi como usá-las. Se você não conhecesse tão bem a própria sensibilidade, não seria capaz de compor músicas e se apresentar de um jeito que emociona multidões.


[29:45] Florence Welch: Aí eu fico tentando explicar isso a todos os namorados que tenho quando estou no chão, gritando: “Eu não conseguiria fazer meu trabalho se não fosse assim!”


[29:52] Sinéad Burke: Você não quer que eu seja normal!


[29:57] Florence Welch: É, tipo nada vai ser normal, sinto muito. Mas isso tem um custo, sabe? Às vezes faz com que seja difícil enfrentar o mundo como ele é: incrivelmente complicado, acelerado, brutal e implacável, especialmente após uma turnê. Às vezes eu fico meio agorafóbica e não quero ser vista. Aí acontece a coisa mais virginiana que posso imaginar: eu quero sair muitíssimo bem vestida, com todas as minhas roupas lindas, mas não quero que ninguém me olhe.


[30:33] Sinéad Burke: É um vestido lindo, mas não ouse me elogiar! Fico feliz por termos voltado a culpar o universo.


[30:39] Florence Welch: Eu quero sair de sapato plataforma, chiffon e um boá de penas, mas não preste atenção. Estou fazendo isso para mim, não para você.


[30:51] Sinéad Burke: Mas é um desafio. E eu penso exatamente da mesma forma que você: como encontrar propósito no que você faz quando a sensibilidade é o que faz você se destacar profissionalmente? Às vezes meus pais se preocupam porque eu falo muito da minha vida em público. Estou realmente exibindo minhas fragilidades para o mundo e a questão é como eu me protejo nele, enquanto tento fazer um trabalho que não só pague as contas, como faça a diferença. Mas ao mesmo tempo, é só trabalho. E você é inteiramente o seu trabalho ou o trabalho é só uma parte de você? E o que acontece quando você é como nós de certa forma e se move pelo mundo em um ritmo diferente dos outros? Como você sustenta ambos?


Tive uma ruptura na última turnê pelos EUA e achava que não poderia continuar, mas toda vez que entro no palco eu só vejo o amor das pessoas. Elas foram tão gentis e carinhosas que realmente me ajudaram.

[31:43] Florence Welch: É difícil. Eu realmente... Tive uma espécie de ruptura na última turnê pelos EUA, pouco antes de começar a fazer a turnê. Eu senti uma pressão imensa, simplesmente achava que não ia conseguir e tive a pior ansiedade da minha vida. Mas o negócio é que toda vez que sigo em frente e entro no palco, eu só vejo amor no rosto das pessoas. Eu até me abri bastante durante os shows, dizendo que estava com problemas e meu estado mental não andava muito bom. As pessoas foram tão gentis e carinhosas que isso realmente ajudou. Mas é engraçado, não é? Porque especialmente nesse álbum eu dei tanto de mim, tantas partes de mim que eu jurei que nunca falaria e acabei cantando sobre elas. Então acho que o que eu tinha que fazer era o seguinte: eu sentia que costumava haver uma separação maior entre a pessoa que está no palco e a que está fora dele. E acho que tentei fazer essa separação porque fiquei famosa quando tinha uns 21 anos. Agora eu olho para pessoas de 21 anos e penso: “Não! Nada de fama pra você!”


[33:02] Sinéad Burke: Vá para a faculdade. Vá para a faculdade.


[33:04] Florence Welch: Eu me lembro da minha primeira sessão de fotos. Eu costumava pegar as calças do meu pai, que é um grande colecionador de peças antigas da Levi’s e um homem muito estiloso. Eu cortava todas as roupas dele, o que eu tenho certeza que ele adorava. Então eu cheguei para a sessão de fotos usando versões cortadas das roupas do meu pai, com um rabinho de cavalo e um sorrisão. Eu me lembro de ver a foto no jornal e falar: “Não”. Aquela pessoa, aquela jovem boba, que agora eu olho e vejo que era muito fofa, mas na época eu fiquei apavorada porque estava morrendo de medo de ser vista. Foi aí que eu deixei a imaginação quase tomar conta, usei o amor pela arte e pensei: e se eu tratasse isso como um projeto de arte?


[34:00] Sinéad Burke: E se transformasse em uma escultura.


Beber e criar uma espécie de personagem de conto de fadas foi como um escudo que se rompeu porque não era sustentável. Foi quando precisei me buscar novamente e me reconstruir.

[34:03] Florence Welch: É, o cabelo ficou vermelho berrante, eu descolori as sobrancelhas como se fosse um alienígena. Eu realmente queria me desumanizar porque tinha muito, muito medo da fragilidade de ser apenas uma jovem de vinte anos meio abobalhada. Quer dizer, eu acho que era obviamente talentosa, mas estava morrendo de medo de estar na esfera pública. Por isso eu pensei que beber e criar uma espécie de personagem de conto de fadas era como um escudo. Aí no terceiro álbum isso meio que se rompeu porque não é sustentável. Não é sustentável, então se quebrou. Foi quando precisei me buscar novamente e me reconstruir. Mas nessa reconstrução, eu não posso rejeitar o que me aconteceu. Não posso rejeitar que fiquei famosa. Bom então você é muito sensível e faz as primeiras entrevistas. Acho que em uma entrevista para a TV alemã ou algo assim, no primeiro álbum. Às vezes eles podem ser bem incisivos, então falavam: “Algumas pessoas diziam que isso é ótimo e outras dizem que é forçado, o que você acha?” Mas se eu parar para pensar, como poderia ser diferente naquela idade? Você so está imaginando e juntando as coisas.


[35:33] Sinéad Burke: Mas também é quando você está compondo sobre as suas experiências. Existe uma habilidade para o mundo externo, particularmente, se for uma história que nunca ouvimos ou se não for... Acho que se for a história de uma mulher ou a voz de uma minoria, é muito fácil associá-la à vaidade em vez de ligar isso a uma experiência vivida que apenas não é familiar.


Encontrei um jeito de aproximar a pessoa do palco de quem eu sou de verdade, quase virando uma pessoa só.

[35:53] Florence Welch: Não dá pra rejeitar o que aconteceu. E também não posso rejeitar essa criação porque as partes de mim que eu criei me mantiveram em segurança em um período em que... Quando penso em uma menina de 20 anos ficando famosa, eu fico preocupada. É bem dramático estar sob escrutínio nessa idade, sabe? Então eu não posso rejeitar essa criação, também preciso reconhecer que por trás disso houve muito crescimento. E basicamente você aceita a pessoa em quem você se transformou e a pessoa você foi e junta esses dois lados. Então eu encontrei um jeito de aproximar a pessoa do palco de quem eu sou de verdade, quase virando uma pessoa só. Isso é muito menos cansativo e aconteceu aos poucos. Acho que ficar sóbria foi muito importante nesse processo e também para conseguir me recuperar das questões alimentares. Você se sente enganando todo mundo o tempo todo porque está sob os holofotes, mas tem todos esses problemas que tem pavor que as pessoas descubram.


[36:58] Sinéad Burke: Mas quando você vive isso, ganha um escopo maior porque está visível. Se você não se sente confortável com a própria aparência, ela está na primeira página de todos os jornais.


[37:09] Florence Welch: Nossa, para uma jovem... Especialmente quando fiquei famosa, eu estava mergulhada na dismorfia corporal, esse tipo de coisa. Então estar nos olhos do público nessa época me fez pensar...


[37:22] Sinéad Burke: Que esse era o caminho para o sucesso.


Esse negócio de fazer detox e contratar personal trainers. Estou falando apenas da minha experiência pessoal, mas isso são formas de disfarçar um transtorno alimentar e quando abri mão de tudo isso, meu Deus, foi um alívio, sabe?

[37:25] Florence Welch: E olha, eu tentei tudo isso, sabe? Eu disse que precisava fazer esse negócio de detox e contratar personal trainers. Estou falando apenas da minha experiência pessoal, mas isso são formas de disfarçar um transtorno alimentar e quando abri mão de tudo isso, meu Deus, foi um alívio, sabe? E você meio que se reencontra porque estava dissociando tanto e estava tão em guerra consigo mesma que quando consegue um pouco de alívio ou se recupera um pouco... Agora gosto muito mais de me vestir, por exemplo, porque eu costumava levantar de manhã e, dependendo do que a balança dizia, ia defiir se eu era uma pessoa boa ou ruim, independente das minhas conquistas. Não importava se eu tinha ganhado um Brit Award ou outro prêmio, eu me sentia fracassada. Que porra de jeito doido de começar o dia! Esses são os parâmetros de como voce se sente e das suas conquistas.


[38:32] Sinéad Burke: E é importante mudar isso.


E aí, gostaram? Essa foi a terceira parte da entrevista, que será publicada aqui em quatro partes. Leia também a primeira e a segunda parte e aguarde o próximo domingo para ler o final desse podcast revelador!


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