O ninho do pássaro: Greta Gerwig e Florence Welch transformam fantasias fashion particulares em realidade
Texto de Alix Browne em 20 de fevereiro às 8h
Estamos em uma casa. Uma residência vitoriana decrépita, perto do mar. Papel de parede desbotado em tons de prata e dourado. Telhados rachados e descascando onde a chuva conseguiu se infiltrar. A casa é cheia de portas e cantos secretos. Um quarto está repleto de estojos de violino vazios e incontáveis pinturas a óleo sem moldura retratando paisagens marinhas turbulentas. Outro, inexplicavelmente, está tomado por borboletas. Na cozinha, entre jarros de picles e pilhas de alimentos enlatados, jarras de suco barato e caixas de macarrão, um bolo de aniversário comprado pronto repousa na mesa de fórmica com as velas cor de rosa mergulhando no glacê branco e macio que derrete.
Uma mulher se veste como se estivesse preparando-se para sair. Como se estivesse se preparando para ir embora. Ela usa calças sociais estilosas. Uma capa. Passa pouco de batom. Desce as escadas, hesitante, escorando-se na parede. Dia após dia ela repete exatamente o mesmo ritual, mas nunca passa da porta da frente. Talvez amanhã...
O primeiro ensaio de moda feito por Greta Gerwig, de 35 anos, lembra muito um cenário de filme, em que ela é a diretora, a artista Tina Barney é a diretora de fotografia, Sara Moonves da W atua como figurinista e a cantora britânica Florence Welch faz papel de heroína. “É como se o filme Mal do Século encontrasse Grey Gardens e O Bebê de Rosemary”, diz Gerwig sobre essa narrativa que é ao mesmo tempo assustadora, pungente e desafiadoramente louca. “O tema era fantasia sombria e de certa forma Florence já vive nesse mundo, então eu não queria exagerar o que ela já faz,” conta Gerwig. “Na verdade esta seria a fantasia sombria dela: ficar presa em uma residência como dona de casa para sempre.”
Greta Gerwig: Podemos arranjar uma bolsa para ela? “Finalmente estou pronta para sair de casa” — Florence, essa é a sua emoção.
Florence Welch: Eu estou feliz com isso? Ou assustada?
Gerwig: Acho que você está empolgada, mas também nervosa. Você não sai de casa há 12 anos!
Welch: Será que aceitam borboletas como dinheiro? É só o que eu tenho: borboletas e lágrimas!
A própria Gerwig está envolvida em um mundo interminável há alguns meses, divulgando Lady Bird, filme escrito e dirigido por ela. A história calmamente heroica e profundamente evocativa sobre entrar na vida adulta na qual Saoirse Ronan interpreta uma adolescente com uma ideia desproporcional sobre o próprio destino (supõe-se que o filme seja autobiográfico, embora Gerwig insista que não é caso), deu a Gerwig um Globo de Ouro de melhor filme musical ou comédia e cinco indicações ao Oscar, incluindo melhor filme, enquanto Ronan ganhou um Globo de Ouro de melhor atriz.
Para Gerwig, coautora dos filmes Frances Ha e Mistress America com o namorado Noah Baumbah, mas que até este ano era conhecida principalmente como atriz, promover Lady Bird significou muitas conversas em entrevistas, painéis e matérias em revistas como esta. Segundo Gerwig, as conversas não foram totalmente desagradáveis. Foi diferente de falar sobre um papel específico em um filme, algo que para ela sempre gerou uma negociação esquisita envolvendo desligar-se de si mesma de um jeito quase existencial. “Era como se eu estivesse sempre interpretando a Greta falando sobre o papel,” explica ela. “Era uma espécie de sala de espelhos da qual não conseguia sair. Mas eu dirigi esse filme como Greta e continuo sendo Greta quando falo com você sobre ele, não há mais uma negociação estranha sobre o que sinto em relação à obra.” É visível que ela está feliz ao voltar para trás das câmeras neste projeto. “É a primeira vez que faço algo depois de vários meses. Está muito divertido,” empolga-se a diretora.
Welch: Não é tão longe da realidade assim eu interpretar uma pessoa louca, alguém que vê e ouve coisas e tenta guardar borboletas na bolsa.
Gerwig: Meu momento favorito foi quando percebemos que talvez o porco não exista. Para essa mulher o porco, assim como as borboletas, podem existir apenas na mente dela.
Aproveito esta oportunidade para dizer que o excremento deixado por Marshmallow, que interpreta porco imaginário no ensaio fotográfico, no vestido de tule Valentino usado por Welch foi definitivamente real.
Gerwig e Welch se encontraram há uns cinco anos. O álbum de Welch, Ceremonials, começava a estourar nos Estados Unidos e Gerwig era reconhecida pela atuação em Frances Ha. Ambas foram rapidamente atraídas pelo mundo fashion. Foi em um evento de moda que Welch notou que tinha muito em comum com Gerwig. No mínimo, eram duas mulheres altas e lindas usando vestidos emprestados e que mal conseguiam disfarçar o olhar aterrorizado diante daquilo tudo. “Fui convidada para muitos eventos e pensava ‘Meu Deus, o que estou fazendo aqui?’”, lembra Welch. “Aí Greta apareceu e fiquei embevecida. Corri para ela e disse: ‘Estou obcecada por você!” e ela foi muito gentil, respondendo: “Também estou obcecada por você! Eu ando por Nova York inteira ouvindo suas músicas.”
Welch, que é ousada e destemida nos shows (ela pulou do palco durante a apresentação no Coachella em 2015 e acabou quebrando o pé), alega ser incrivelmente tímida na vida real. Ela pegou o contato de Gerwig naquela noite, mas não fez nada com essa informação. “Eu pensei ‘O que vamos fazer? Marcar alguma coisa?’” Mas em setembro do ano passado, quando Welch preparava o sucessor do álbum de 2015 How Big How Blue How Beautiful e sonhava com as pessoas com quem mais gostaria de trabalhar, ela procurou Gerwig. “As canções podem ser triunfantes e empolgantes, mas ao mesmo tempo você não descobriu tudo, não se deu conta que as coisas podem ser alegres e você pode ser forte, mas há uma ideia subjacente que te faz questionar o tempo todo — eu sabia que Greta poderia entender isso.”
As duas se reencontraram em Nova York para comer waffles e pierogi no restaurante ucraniano no East Village chamado Veselka e conversar sobre fazerem um eventual projeto juntas. “Uma das minhas partes favoritas de fazer Lady Bird foi trabalhar com Jon Brian na música do filme,” conta Gerwig. “Entrar no mundo de outra pessoa é muito empolgante. Quando você ama a arte de alguém e não é o tipo de arte que você consegue fazer, é como entrar em contato com algo maior que existe nela. Você tem superpoderes que eu não consigo entender, mas eu posso amar esses seus superpoderes.”
Welch: Nunca vi alguém descrever minha música de um jeito tão perfeito. Greta disse: “Eu gosto porque parece o poço mais profundo e sombrio de dor, aí você simplesmente dá uma festa e convida todo mundo para lá.”
Gerwig: É isso, é assim que a música da Florence soa para mim. Suas músicas me fazem chorar incontrolavelmente, o que é bom.
Do mesmo modo que Welch, quando Gerwig está atuando, ela parece totalmente sem inibições e por isso costuma ser confundida com os personagens confiantes e um tanto esquisitos que já interpretou. Mas até este projeto para a W, a experiência de Gerwig com ensaios fotográficos de moda era na frente da câmera e sempre envolvia uma enorme inibição sobre o fato de não ser modelo e o medo de rasgar as roupas.
“É engraçado onde as pessoas encontram sua liberdade,” observa Gerwig, relembrando algo que Rebecca Miller, que a dirigiu em Maggie Tem um Plano disse uma vez. “Rebecca é boa atriz, mas nunca se deu muito bem com isso e me disse: ‘Um dos maiores prazeres de dirigir é que você fica invisível, isso é ótimo.’ Eu já tinha sentido essa invisibilidade como atriz, o que pode ser muito sedutor, mas nunca me senti invisível depois do filme foi lançado, na hora de sorrir e promovê-lo. Quando estava no set filmando Lady Bird, eu entendi o que Rebecca quis dizer.”
Welch: Uma vez um namorado me disse: “Eu sempre sonho que você está construindo uma casa cheia de quartos onde eu não posso entrar.” E quando você faz um álbum é literalmente isso. Você começa a pegar seus desejos e tesouros secretos e construir essa casa.
Gerwig: Quando a gente se conheceu conversou, eu me lembro de você ter falado isso e eu achei bizarro porque já tive um namorado e um ex-namorado que me disseram: “Você está construindo uma casa dentro da nossa casa. Está construindo uma minicasa onde você vive e eu não sou convidado.” E eu falei: “É, também estou construindo um túnel secreto de fuga. Você não faz ideia do que está acontecendo.”
Leia a entrevista original aqui! E confira as outras fotos desse ensaio maravilhoso logo abaixo.