Leia a segunda parte traduzida da entrevista de Florence para a Rádio BBC 1
- Patrícia Azeredo
- 6 de mai. de 2018
- 7 min de leitura

Florence Welch em entrevista para a BBC Radio 1
Na última quinta-feira (03), foi ao ar pela Rádio BBC 1 a primeira entrevista de Florence Welch para a promoção de seu quarto álbum junto à máquina, intitulado High As Hope. A conversa foi disponibilizada no canal do YouTube da emissora, dividida em três partes. A primeira pode ser lida aqui.
Abaixo, confira a tradução da segunda:
Annie Mac: Você fez uma música chamada “Grace” sobre a sua irmã. O que levou você a fazer isso?
Florence: Eu estava pensando em todas as vezes que estraguei o dia dela. (rindo) Ela é minha irmã mais nova, mas sempre foi a mais velha, sabe? Ela nasceu com tudo o que eu não tenho. Eu sempre fui a mais assustada. Ela nunca tinha medo de fantasmas, vampiros ou monstros embaixo da cama e eu ficava apavorada. Sempre ia pro quarto dela quando éramos crianças porque pensava: “Tem alguma coisa embaixo da minha cama, tô com medo” e achava que tudo aquilo era real. Ela é muito mais racional do que eu, o tipo que pensa: “A leva a B”, enquanto eu penso: “Não, A leva (faz uma pausa dramática) AO FIM DO MUNDO” (rindo). Eu não tenho nenhum tipo de... Você não compõe uma música chamada “Hurricane Drunk” (Furacão Bêbado, em tradução livre) no primeiro álbum sem que muita coisa tenha acontecido, então você pode imaginar. Teve um pouco de arrependimento por não ter sido uma irmã mais velha, sabe? Quando voltei desses anos todos uma das coisas que disse pra ela foi: “Vou tentar ser uma irmã mais velha pra você e peço desculpas por não ter conseguido antes.” Agora ela tem uma filha e passei os últimos anos tentando estar presente pra ela de outra forma, finalmente tentando ser uma irmã mais velha em vez de... Ela foi minha assistente pessoal uma época, quando eu estava no auge da loucura. Foi por pouco tempo, até a gente descobrir que ela ficava tão frustrada comigo que fazia questão de dificultar a minha vida (rindo) porque eu estava sendo muito babaca. E eu falava “Você é minha assistente, não era pra dificultar a minha vida!” E ela respondia: “Mas você está sendo um pesadelo!” (rindo). Então isso não deu certo, mas sinto que essa música foi uma forma de... Ah, isso é tão britânico porque ela falou: “Por que você fez isso? Podia simplesmente dizer que me ama em vez de fazer uma música pop!” (rindo)
Annie: Quando qualquer outra pessoa ficaria “Oba, estou em uma música!”
Florence: Não, ela disse “Pelo amor de Deus....” Porque a gente se comunica através de piadas.
Annie: Muito britânico isso.
Florence: Muito britânico, sim. A gente se comunica através do humor. Olha, eu não sei o que teria feito sem a minha irmã. Ela salvou a minha vida tantas vezes que nem consigo quantificar.
Annie: Parece que você sente as coisas de um jeito tão extremo... As coisas realmente te afetam, por isso que você é tão boa no palco. Porque sente a energia das pessoas e se alimenta disso.
Florence: Sim, é engraçado...
Annie: Permeável, essa é a palavra!
Florence: Sim, permeável. Sou muito permeável. Significa que você está sempre hipervigilante, pode ser muito cansativo. Quando você é sensível assim, pode ter problemas com álcool e coisas do tipo porque é um jeito de dizer “Ufa, desligou. Anestesiei isso, então tudo bem. Agora eu tenho um escudo.” Mas acaba piorando tudo. Mas eu sempre fui assim, sempre fui uma criança muito sensível. Isso também significa que nunca perdi essa sensação de assombro, sabe? Pode ser muito intenso, mas estranhamente as situações maiores, como um grande show com muita gente eu sei como lidar. Eu sei conter a energia de um local enorme, mas com uma pessoa só ou um grupo pequeno, é demais pra mim, sabe?
Annie: Sim, sim. É assustador.
Florence: Mas com um montão de gente e com música vira uma espécie de truque de mágica. Então aquilo que às vezes dificulta a vida diária pode ser aproveitado no palco. Acho que a meditação ajuda muito, além de descobrir que não sou assim tão sociável quanto pensam e não há nada de errado nisso. Preciso de muito tempo para ler, desenhar, preciso criar. Porque definitivamente eu não fui dessas pessoas que entraram na música somente pela música. (risos). Eu queria ir a todas as festas. Definitivamente era o que eu procurava.
Annie: Sim.
Florence: Mas o melhor é que quando tudo isso passou eu descobri: “Nossa, eu amo tanto fazer música.” No meu segundo álbum, eu estava em todas as cerimônias de premiação, todas as festas, vestindo roupas de alta costura e praticamente dizendo: “Estou aqui, topo qualquer negócio!” Depois eu parei, me acalmei e descobri que talvez isso não te deixe feliz. Sabe, essa ânsia de criar algo... Eu me sinto impelida a fazer isso. Aí eu pensava: “Ah, então é assim que você vira uma lenda?” (risos) “Será que preciso beber mais? Mas é tão doloroso...” (risos). Eu estava tão confusa, mas descobri que não precisava ser assim. A criatividade é a coisa mais alucinante, intoxicante e que dá barato. Também descobri que o meu lado autodestrutivo (que existe e é imenso), se for usado do jeito certo, no estúdio ou no palco, pode ser um aliado que deixa as apresentações mais ferozes. Então descobri que as coisas ficavam mais pesadas e sombrias, mas de um jeito bom. Uma parte dessa fúria que era sempre direcionada a mim mesma quando usada do jeito errado, esse lado caótico e autodestrutivo, se eu pudesse levá-lo ao palco ou ao estúdio, é como se em vez de enfrentá-lo dentro de casa, eu me juntasse a ele, então é algo muito poderoso.
Annie: Uau. E em “Sky Full of Song”, que as pessoas podem ouvir, eu amo a imagem de você estar tão envolvida na apresentação, tão visível, aberta, exposta e possuída pela sua performance que está quase voando que precisa de alguém para te agarrar pelos tornozelos, te segurar e dizer: “Não, não, não, você tem que manter os pés no chão. Fica com a gente aqui.”
Florence: (rindo): Sim!
Annie: Sou obcecada por essa imagem! Você sente que agora, olhando em retrospecto, você consegue manter os pés no chão, digamos assim, nas suas apresentações?
Florence: É, vai ser interessante tocar essa música nos shows. Quando você está em turnê e fica nesse estado, deseja que alguém te segure fisicamente e diga: “Pode se acalmar agora, está na hora!” Olha, é um privilégio e um presente muito grande fazer o que eu faço e me apresentar nesses shows, mas às vezes quando você volta pro quarto do hotel e está sozinha, pode ser muito solitário.
Annie: Sim, sim. Posso perguntar sobre “Hunger”, a segunda música do álbum?
Florence: Pode.
Annie: Por que você resolveu lançá-la agora, antes das outras?
Florence: É esquisito porque nunca pensei que fosse ser uma música. Era só um poema que eu estava escrevendo pra mim sobre as formas pelas quais eu buscava o amor em coisas que não eram o amor. O álbum passado foi sobre um coração partido. Eu pensava que se tivesse aquela pessoa, iria resolver tudo. Sabe? Eu pensava: “É VOCÊ! SEM DÚVIDA É VOCÊ!”
Annie: Você é a solução!
Florence: “VOCÊ É A SOLUÇÃO! POR QUE NÃO QUER RESOLVER TUDO? PORQUE TUDO VAI SE RESOLVER E FICAR BEM SE VOCÊ... ENTÃO POR QUE VOCÊ NÃO TEM INTERESSE EM FAZER ISSO?” E acho que com esse álbum veio o reconhecimento de que: “Ah, sou eu.” (rindo)
Annie: Sim.
Florence: Foi assim: “Aaaah, tudo bem, entendi. Eu sou a única continuidade em tudo isso.” Então essa música foi meio que sobre o que eu procurava. E a ideia de colocar uma pergunta espiritual importante e provavelmente impossível de responder em uma canção pop. Porque pode não ter resposta, mas podemos dançar sobre isso.
Annie: Sim (risos).
Florence: Mas é estranho, nunca pensei que ia lançar essa música. Eu mostrava pras pessoas e dizia: “Ah, mas essa provavelmente não vai entrar no álbum porque é muito pessoal e real demais.” Aí as pessoas diziam: “Você tem certeza?” O cerne desse álbum talvez seja a busca pela conexão e estimular a conexão em outras pessoas de alguma forma. Sinto que ao me colocar nessa posição vulnerável ou dizer coisas que nunca pensei em falar em voz alta talvez possa estimular as pessoas a sentir... Eu não sei as pessoas se sentem da mesma forma que eu, essa solidão estranha e persistente que você tem quando criança. Mas o engraçado é que ao falar isso pra alguém, acabo ouvindo: “Sim, sim, eu também me sinto assim!”
Annie: Sim!
Florence: Então essa música fala de dor, mas também é uma celebração de como eu vejo os jovens mudando as coisas, sabe? Eles dizem: “Eu quero ter essa aparência, quero ser assim.” Sinto que existem muito mais pessoas inspiradoras agora do que quando eu era adolescente. E acho que as pessoas, especialmente os jovens, estão muito ligados e engajados. Eu sei que as redes sociais têm problemas, mas quando eu era adolescente não existia essa forma de se conectar e...
Annie: E falar uns com os outros.
Florence: E falar uns com os outros. Eu acho isso muito inspirador. Vejo essas meninas surgindo, tão inteligentes, competentes e confortáveis consigo mesmas. Quando eu era mais nova, não sei se era só comigo, mas... Eu me sentia muito perdida quando era adolescente. Eu estava muito confusa e triste. Então eu me inspiro muito nessas meninas que vejo hoje.
Annie: Quando você ouve essa música, ela é muito forte e a letra é bem direta.
Florence: Acho que eu estava tentando expressar que... Existe essa sensação de não ser boa o bastante, que você precisa ser perfeita e como obter o amor? Como você vai ser aceitável e qual é o jeito certo de ser? Porque acho que por trás do álbum do coração partido... Esse não é um álbum assim, é estranho porque eu já fiz isso. Talvez haja um coração partido mais amplo por trás de tudo, sabe?
Annie: Sei, sei.
Florence: Você percebe que não é sobre todos os relacionamentos da sua vida...
Annie: Os relacionamentos amorosos.
Florence: Os relacionamentos amorosos e os caras, aí você percebe: “Ah, tem um coração partido maior aí,” que talvez você não se ame, e tem as formas pelas quais você se machuca por causa dessa falta de amor-próprio. Acho que essa música é sobre isso... Músicas são realmente protetoras pra mim. Sempre sinto que se eu colocar algo em uma música está seguro e penso: “Tudo bem isso, pode viver através dessa música”. [Ao compor Sky Full of Song], definitivamente pensei: “Eu não devia falar isso”, mas provavelmente é por isso mesmo que precisava falar, sabe?
Annie: Sei.
Florence: Definitivamente tinha a sensação de: “Você vai arrumar confusão fazendo isso”, que talvez seja parte do problema, sabe?
Annie: Exatamente. Isso não deveria ser tabu.
Florence: Sim, porque tem a ideia de que você pode acabar levando uma bronca ou deve se envergonhar por causa disso. E talvez esse seja o motivo de isso estar acontecendo.
Abaixo, veja a segunda parte da entrevista:
Terceira parte, em breve.