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Leia a tradução da entrevista de Florence para a 'Observer Magazine'


Em mais uma entrevista reveladora, agora para a revista do jornal britânico Observer Magazine, Florence fala abertamente sobre crescimento pessoal, o distúrbio alimentar que ela precisou cantar em Hunger para admitir até para si mesma e a nova vida longe do álcool e das drogas. Todos os direitos desta tradução estão reservados para o Site Florence Brasil.

Florence Welch: "Às vezes eu me pergunto: será que sonhei grande demais?"

Após anos de loucura em festas que duravam a noite toda, Florence Welch encontrou um jeito mais calmo de viver. Ela fala com Eva Wiseman sobre a "energia mágica" que a move e sobre finalmente estar conseguindo se entender

Força da natureza: Florence Welch fotografada na Red House de William Morris em Bexleyheath. Ele usa vestido e botas Zimmermann. Figurino de Aldene Johnson. Fotografia: Phil Fisk para o Observer

Houve um momento em que a voz de Florence Welch era tão inescapável como uma sirene de ambulância. “You’ve got the love, youuuu…” vinha dos carros na rua, de montagens com cenas de esportes na TV, ecoava pela loja Primark. Até que desapareceu, tão rapidamente quanto surgiu.

Agora com 31 anos e o cabelo mais para um pôr do sol tranquilo do que para o vermelho intenso, Florence Welch é uma mulher mais calma do que o turbilhão por trás de três álbuns que chegaram ao topo das paradas e que foi headliner de Glastonbury vestindo um terno prateado. Hoje, tirando suas joias para evitar que o barulho atrapalhe a gravação da entrevista, ela parece a Dama de Shalott de calça jeans. Nesse período turbulento, quando Welch sabia o que ia acontecer sempre que saía de casa, ela começou a desmoronar lentamente.

“Foi quando o álcool e as festas explodiram, como forma de me esconder daquilo. Eu ficava muito bêbada com dirty Martinis bem caprichados, que era o meu jeito de beber três doses de uma vez. Eu nunca me interessei por,” e ela ri de um jeito meio irônico, “uma boa taça de vinho.” Ela diz esta frase como se fosse uma lenda urbana. Florence sempre gostou de uma boa farra. Foi no banheiro de uma boate londrinha que, em 2006, ela cantou para a pessoa que depois virou sua empresária, transformando-se em Florence and the Machine e conquistando os Estados Unidos três anos depois. Nessa época ela raramente dormia. Quando chegava em casa, após dois dias de festas, sempre havia problemas. Ela recebia uma mensagem de texto, geralmente “Kd vc?”, “E eu respondia algo como ‘Não sei, mas estou usando roupas de outra pessoa…’ As festas eram para não lidar com o fato que minha vida tinha mudado, de não querer descer. Sempre senti como se algo me pegasse, jogasse por vários quartos e casas e depois ‘boom!’” Ela abre os braços de um jeito teatral. “Isso acontecia todas as vezes e era sempre chocante.”

"Antes eu achava que o caos era meu combustível": Florence usa vestido Giambattista Valli e joias Annina Vogel. Foto: Phil Fisk para o Observer

Mesmo assim, a música surgia, essas malditas canções imensas sobre amor e perda, descritas pela diretora Greta Gerwig para a própria Florence como “o poço mais profundo e sombrio de dor, aí você dá um festão nele e convida todo mundo.” Gerwig admite que as canções a fazem chorar incontrolavelmente. Contudo, este som levou um tempo para ser criado. Foi só ao fazer música com outra jovem, Isa Summers, que elas criararm o single Dog Days Are Over, uma canção pop grandiosa ao estilo de Kate Bush, que acabaria definindo o estilo de Florence. Até então ela trabalhava com produtores mais velhos e do sexo masculino. “E havia uma espécie de adiamento inconsciente, um percepção negativa de mim mesma que parecia arraigada.” Quatro álbuns depois, ela continua fazendo música do mesmo jeito controlado e “feminino”, a única diferença é que hoje ela sabe quando tirar os excessos. “Quando está… Florence demais?” Eu confirmo com um aceno de cabeça, mas paro com medo de parecer grosseira.

Ao chegar ao décimo aniversário desta carreira que estourou rápidamente, ela decidiu pela sobriedade. “Quando percebi que podia me apreseentar sem o álcool foi uma revelação. Há o desconforto e a raiva, e o momento em que eles se encontram é quando você se abre. Você se liberta.”

Ela diz que sempre se sentiu absolvida no palco: ninguém ficava com raiva dela enquanto estava lá em cima. Era a vida fora dos palcos que precisava ser resolvida. No palco, Florence sobe nos andaimes e se pendura com apenas uma das mãos, se joga na multidão e arranca a blusa quando começa a suar demais. Após noites como essa, é bem difícil voltar à Terra. Segundo ela, tudo começa a ter uma importância mágica. Há momentos (sentada na sala de um amigo vendo TV, por exemplo) em que, insone e sóbria, ela subitamente se espanta. “Os momentos mundanos ficam incrivelmente profundos. A apresentação nos palcos, a transcendência e depois sentar para ver TV... Tudo isso pode coexistir e o mundano faz o mágico. Talvez eu esteja tentando me agarrar à normalidade. Como estar no palco passou a ser normal, talvez esses momentos de paz sejam a verdadeira loucura. Mas eu os valorizo muito.”

Então ela parou de beber e começou a ficar em casa. Ontem ela viu toda a nova temporada de Unbreakable Kimmy Schmidt. “Acho que cheguei ao fundo da Netflix.” E embora a vida esteja mais tranquila, o trabalho ficou mais estrondoso. “Antes eu achava que o caos era meu combustível, mas quanto mais tranquila eu fico, mais eu posso oferecer ao trabalho. Posso abordar assuntos que antes eu não conseguia.”

"Quanto mais tranquila eu fico, mais eu posso oferecer ao trabalho. Posso abordar assuntos que antes eu não conseguia’: Florence usa blusa Silk and Rope Vintage, calça Vilshenko e joias Annina Vogel. Foto: Phil Fisk para o Observer

Florence gosta de se desafiar. Ela faz isso com uma caneta azul, escrevendo o que chama de pequenas “verdades ousadas”, garantindo a si mesma que não vai mostrá-las a ninguém. “Shh, está tudo bem, fica tudo só entre nós…” E uma dessas foi o início de Hunger, primeiro single do novo álbum High As Hope. O primeiro verso é: ‘Aos dezessete anos, comecei a passar fome.’ “Foi a primeira vez que consegui colocar isso no papel,” diz ela, falando baixinho. A canção continua: ‘Pensei que o amor estava nas drogas. Mas quanto mais eu tomava, mais elas me tiravam. E eu sempre queria mais. Pensei que o amor estava no palco. Você se entrega a desconhecidos. Você não precisa ter medo.’ “Mas agora eu percebi que essa insegurança e solidão são experiências humanas. As grandes questões estão aí, independente de você abordá-las ou não.” De repente, ela começa a rir. “O mais esquisito é que, por mais pessoal que seja, assim que você diz em voz alta, várias pessoas comentam: ‘Eu também me sinto assim.’”

Ela ficou apavorada ao falar do distúrbio alimentar pela primeira vez. E não só falar, como cantar. A irmã de Florence deixou clara a sua perplexidade. “Ela disse: ‘Você levou anos para admitir isso e agora coloca numa canção pop?’” Mas para Florence, o terror significava que ela precisava fazer isso.

Florence é movida pelo terror, que a joga para frente, como se tivesse um tridente afiado nas costas. Ela foi uma criança imaginativa, mas de um jeito que parece opressivo e confuso (ela acreditava que fantasmas e lobisomens eram reais, por exemplo). “Aprendi formas de gerenciar o meu terror: bebidas, drogas, controlar a comida. Foi como um renascimento da infância, a autodestruição de uma criança solta em uma pessoa com impulsos adultos,” analisa.

Recentemente ela estava hoespedada no Chateau Marmont em Los Angeles e acordou assustada, com um vestido branco pendurado em cima da cabeça. “Aí de repente eu estava no banheiro, gritando. Será que foi paralisia do sono? Eu não sei como cheguei no banheiro.” Ela só conseguiu superar o medo do escuro recentemente, mas não tem a menor vergonha em dizer isso. Pouco antes do lançamento de Hunger, em maio, ela se descreve da seguinte forma: “Eu estava um caos. Chorei durante todo o filme Vingadores: Guerra Infinita.”

‘Aprendi formas de gerenciar o meu terror: bebidas, drogas, controlar a comida. Foi como um renascimento da infância’: Florence usa vestido Gucci e joias Annina Vogel. Foto: Phil Fisk para o Observer

Aconteceu algo quando ela tinha 17 anos que desencadeou tudo isso? Ela faz uma pausa tão longa que o café esfria. Lá fora, estações mudam. Ela pede desculpas e dribla a pergunta. “Eu sei lidar com isso em uma canção, mas muita coisa eu… Ainda estou descobrindo? Posso dizer coisas em uma canção que ainda não entendo, como: ‘Pensei que o amor era uma espécie de vazio’. Sinto que isso é importante. Você pensa que o amor é inalcançável, vazio, faminto, então há um tipo de tristeza quando surge algo mais estável no seu caminho. Você não reconhece isso como amor, porque não é desesperado o bastante. E eu nunca tinha ligado esses dois pontos até agora.”

Mas ela já superou isso? Está comendo? Florence respira fundo. “Estou mais longe disso que nunca. Foi algo que eu vivi, mas estou com 31 anos agora e em um momento em que talvez possa… ver o que estou procurando?” O discurso dela é ritimado, com suave sotaque do sul de Londres e pontuado com elipses.

No dia do trigésimo aniversário de Florence a irmã deu à luz uma filha e a vantagem dessa nova vida tranquila é que agora é possível estar presente para acompanhar a sobrinha em seu primeiro ano de vida. “Nós nos ajudamos muito. Eu construí uma carreira, ela construiu uma família e nós duas vemos além da perfeição que há nisso. Eu adoraria estar casada, mas consigo ver o lado bom e ruim dessas duas vidas. Às vezes eu me pergunto: ‘Será que sonhei grande demais, será que preciso abrir mão disso?’” Ela percebeu que entra um estado de estagnação durante as longas turnês, das quais volta anos depois e descobre que não só todos os amigos estão casados e com filhos, como cresceram de um modo mais grandioso e difícil de definir, aprendendo habilidades como lidar bem com o fim de um relacionamento (algo que ela ainda precisa dominar) e sentir que “merecem o amor”.

Embora o pai, o ex-publicitário Nick, tenha saído de Londres para abrir áreas de camping, ela mora perto da irmã e da mãe, Evelyn, professora de estudos renascentistas. Ao falar da mãe, Florence acena lentamente com a cabeça, como se estivesse contemplando um Sudoku particularmente difícil.

Página do livro Useless Magic, que diz: "Sou meio pássaro e meio garota. Você é metade de mim e eu sou inteira para você."

“Minha mãe ficou muito precupada por eu estar fazendo música. Ela achava perigoso, que podia me machucar, podia ser efêmero. Agora ela aceitou que não é só uma fase, mas já passou por tanta coisa, que está sempre preparada para o pior.” A mãe lamenta o fato de Florence não ter terminado a faculdade. Uma vez, após Florence contar que se lembra de todos os modelitos que já vestiu na vida, Evelyn respondeu: “Que desperdício de cérebro.”

Mas à medida que Florence se adapta a esta vida mais tranquila, as semelhanças estão ficando mais claras para ela. Ao ver Evelyn ministrando uma palestra sobre um par de luvas renascentistas, ela subitamente entendeu de onde veio o gene da performance. “As pessoas me dizem que eu desapareço [quando me apresento] e ela também é assim. E isso pode isolar você em um relacionamento e talvez a isolasse de nós quando éramos crianças. Acho que ela tem grandes sentimentos como eu, mas ela os joga para algum lugar bem longe. Ainda estou descobrindo de onde vem esse poço de anseios que há em mim, estou buscando a origem.” Ela faz outra pausa, tão profunda que dava para mergulhar. “A mãe da minha mãe cometeu suicídio. E o jeito que ela era amada pela mãe dela se reflete no jeito que minha mãe nos ama, que por sua vez é a forma pela qual nós amamos os outros. Minha avó caiu, então às vezes eu sinto que ainda estamos nessa espiral, caindo com ela. As consequências graduais das tragédias.”

Só recentemente ela começou a falar com a mãe sobre os dias de cão que passou depois dos 17 anos e o jeito pelo qual suas relações seguiram os padrões criados na infância, quando ela era um “polvo de sentimentos”, sempre com fome de atenção por parte de pessoas inacessíveis.

O primeiro livro de poesia de Florence, o elegante álbum de recortes chamado Useless Magic, é dedicado aos pais. As primeiras palavras, escritas em caneta esferográfica, são: “Eu faço canções para prender as pessoas a mim.” Com a mesma caneta ela escreve o que chama de “sermões” diários, que usa para reconhecer e encontrar o humor na estranheza de sua vida de estrela pop. Por exemplo, ela quer um registro de quando estava bêbada em um corredor com Liza Minnelli, e também um registro de que ela tem consciência que isso jamais será confundindo com uma tarde normal.

Nesses dias sem beber, Florence ainda gosta de festas, mas prefer dançar em vez de se embriagar ou se drogar. Se alguém começa a puxar conversa fiada e houver música tocando, ela literalmente vai rodopiando na direção das caixas de som.

Depois de termos nos conhecido e tido uma conversa que foi dos sonhos recorrentes que ela tinha na infância até uma nova bio no Tinder (“Profundamente caseira, mas altamente estressada, sem meio termo. Altamente vulnerável, mas profundamente eremita. Tem velas acesas demais em casa para ser uma pessoa segura.”), ela manda por e-mail uma seleção desses sermões diários, que são fragmentados e divertidos. Um deles termina com: “Eu também queria mil mensagens de texto que dizem ‘Eu te amo,’ meu telefone vibrando sem parar até eu ficar exausta e vazia. Ah, merda.”

Para alguém cuja carreira se equilibra nos sonhos e na expressão gutural de suas mágoas, ela parece incrivelmente calma, quase feliz. Mas às vezes, quando esta no ônibus da turnê a caminho de casa em Londres, o embrião de uma ideia aparece sorrateiramente e ela pensa: “Não seria um alívio ir para uma festa agora? E se… E se você simplesmente fodesse com tudo? E se você jogasse tudo por água abaixo?” Ela sacode a cabeça de repente, como se quisesse tirar água dos ouvidos. “Ainda está lá, essa ideia de ‘E se eu tirasse um dia de folga, desse uma pausa nessa energia mágica?” Ela ri e completa: “Mas depois passa.”

Figurino: Aldene Johnson; cabelo: Anna Cofone; maquiagem: Sarah Reygate; assistentes da figurinista: Lauren Anne Groves e Elle Fells; locação: William Morris’s Red House, Bexleyheath (National Trust)


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