No dia 11 de outubro a revista americana Billboard publicou uma entrevista com a Florence, apostando que ela tem chances reais de ganhar um Grammy depois de tanto tempo. O texto original pode ser lido aqui e abaixo está nossa tradução, exclusiva do Site Florence Brasil.
Previsão para o Grammy: Em casa com Florence Welch, que pode enfim conqusitar uma estatueta após oito indicações
Entrevista: Nick Duerden
Foto: Nicole Nodland
Ela abre a porta da frente de sua casa modesta no sul de Londres, sem assistente ou assessor à vista, quase fechando os olhos diante do sol do início da noite, como se estivesse surpresa com a existência dele. “Pode entrar,” diz Florence, enquanto me leva pelo corredor entulhado, passando por uma bicicleta e rumo à cozinha repleta de livros em todos os espaços disponíveis. “Quer uma xícara de chá?”, oferece ela, em seguida me levando para a sala, onde mais livros sobre arte, música, biografias estão empilhados aleatoriamente em cima de romances em móveis impecavelmente gastas no estilo boho-chic. O ambiente está escuro graças ao teto baixo e as cortinas fechadas. Todas as paredes têm quadros pendurados.
Florence Welch ainda sente o jet lag da viagem dos EUA para Londres, feita recentemente, após ser a atração principal do segundo dia do Grandoozy Festival em Denver com sua banda, Florence + the Machine. Contudo, mesmo nesta atmosfera crepuscular e considerando seu atual estado de exaustão, Welch está radiante vestindo blusa de seda e jeans skinny, com as madeixas ruivas caindo sobre os ombros, mas o sorriso logo some: “Estou me sentindo ansiosa hoje,” anuncia. “Fico assim na maioria dos dias, mas hoje está particularmente forte.”
Todas as fotos da galeria são de Nicole Nodland e foram tiradas no dia 20 de setembro de 2018 no Blakes Hotel em Londres. Visual por Aldene Johnson.
Ela passou boa parte da tarde tentando se acalmar com uma longa caminhada (“Dizem que andar é bom para a ansiedade”) e um pouco de Meditação Transcendental, mas a pressão diária sobre esta cantora e compositora de 32 anos não vai diminuir tão cedo: no dia seguinte à entrevista ela estará na cerimônia do conceituado Mercury Prize, onde o elogiadíssimo High As Hope, seu quarto trabalho, concorre ao título de álbum do ano. Depois, ela volta aos Estados Unidos para fazer dois shows no Hollywood Bowl, seguido por uma turnê em arenas pelo mundo. Florence também aguarda cautelosamente as indicações ao Grammy em dezembro, esperando que o High As Hope, que chegou ao 2º lugar na parada Billboard 200 e ao topo da parada Top Rock Albuns em julho e pode ser considerado seu melhor álbum, entre nas categorias pop ou rock.
“Ninguém sabe onde me colocar!” diz, ela rindo. “Mas eu até gosto de deixar tudo assim, meio solto.” Welch já foi indicada ao Grammy oito vezes. “Mas nunca venci,” completa , dando de ombros. “Você aprende mais quando perde, eu acho.” Quatro dessas indicações vieram em 2015 pelo álbum How Big How Blue How Beautiful, uma coleção de músicas detalhando como ela se especializou em criar o caos na própria vida.
Foto: Nicole Nodland
“Meu pensamento secreto era que eu desejava ganhar um Grammy por esse álbum como uma espécie de ‘foda-se’ para toda aquela situação, pois ganhei esse... Esse negócio” como recompensa, mas aí eu percebi que não ganhei absolutamente nada com o que passei e ainda perdi o prêmio.”
Três anos depois, Welch está no auge da criatividade no exato momento em que a Recording Academy enfrenta a necessidade de ser mais inclusiva nos Grammys. Mesmo se voltar para casa de mãos vazias de novo, isso não diminui o que Florence já conquistou: como artista que está em pleno vigor em todas as frentes, sendo uma compositora extraordinária cujos shows ao vivo são passionais e impressionantes, alguns podem dizer que ela to perfil ideal para ganhar o Grammy em 2018.
“Sempre tive uma imaginação enorme,” diz Welch, cruzando uma perna tão por baixo da outra que some completamente. “Eu me lembro de me sentir muito comum quando era criança e não ficar nada feliz com isso, então eu sonhei grande. Talvez tenha me imaginado como a pessoa que sou hoje? E olhe para mim: um produto da minha imaginação infantil que se realizou!” O riso da cantora é eufórico, como se não conseguisse acreditar na própria proeza.
Com dez anos de carreira, Welch talvez seja a estrela do rock mais amada de sua geração. Magnética no palco, heroína feminista e ícone de estilo com um ar misterioso natural, Florence inspira não só admiração como adulação emocionada.
“Ela faz você acreditar que existe mágica no planeta Terra porque ela é mágica, da voz à presença, passando pelo jeito que ela se move,” elogia a atriz e amiga íntima de Welch, Blake Lively. “O jeito que ela conta uma história com todas as partes de si... Sério, ela é diferente de todos que já conheci. No palco, tem uma ferocidade enorme que sai na forma de se comuninar e pessoalmente há tanta delicadeza... É incrível como ela pode ser tudo isso ao mesmo tempo.”
Florence com a amiga Blake Lively em Las Vegas, foto de dezembro de 2010. Foto: Kevin Mazur/Getty Images
Essa justaposição é um dos motivos que fazem as músicas de Welch serem analisadas com entusiasmo pelos fãs e até por outros artistas: “As canções dela são amplas e profundas, cada uma é um oceano individual,” diz Chan Marshall, mais conhecida como Cat Power, e os shows são experiências quase religiosas centradas em Welch, que age como pastora louca e dançarina ao mesmo tempo. Ela agora é atração principal de festivais (Lollapalooza e Outside Lands, entre tantos outros) e enche arenas nos dois lados do Oceano Atlântico, mas deliberadamente evitou o status de celebridade. Até no Reino Unido obcecado por tabloides, os paparazzi raramente a perseguem.
“Eu nunca tive que ceder na minha aparência, no meu jeito de vestir ou no meu som. É incrível eu ter recebido tanta liberdade, mas tive muita sorte pelo caminho. Ao longo da minha carreira eu tive o apoio de pessoas muito boas que sempre me deixaram livre,” analisa Florence.
Recentemente, uma dessas pessoas foi o compositor norte-americano Tobias Jesso Jr, que trabalhou com Welch em três músicas do High As Hope: “Ela é muito incomum no jeito de trabalhar,” conta Jesso. “Eu sempre ficava tentando acompanhar o que ela ia fazer. Florence tem um estilo e uma escala só dela, que definitivamente não é a escala pop comum. Eu sinceramente acho que não importa com quem ela trabalhe, o som ainda seria 99% Florence. Ela é especial.”
Talvez a Recording Academy reconheça em Welch o mesmo que Jesso, especialmente no ano seguinte à sugestão de seu presidente em vias de se aposentar, Neil Portnow, que as mulheres precisam “aparecer mais” se quiserem o mesmo reconhecimento que o Grammy dá a seus colegas homens. Em um momento em que mulheres de todos os gêneros musicais, incluindo contemporâneas de Welch como St. Vincent e Janelle Monae, estão fazendo algumas das músicas mais inovadoras e socialmente engajadas do mercado, o comentário de Portnow pareceu não só insensível como tristemente fora da realidade. (Embora Welch não tenha vencido o Mercury Prize, o prêmio foi para outra banda de rock liderada por uma mulher, Wolf Alice.)
Welch usa um vestido Silk and Rope Vintage e anéis Gucci. Foto: Nicole Nodland
Para Welch, não é estranho se destacar em um reino dominado por homens. Ela surgiu no cenário musical no que chama de “cena punk do sul de Londres” (embora seja um punk do século XXI, do tipo que não preocupa a monarquia), tocando com músicos da escola de arte de Camberwell e arredores, a maioria homens. “Sempre pareceu que eu estava no mundo deles, mas eu queria estar no meu mundo. Havia muitas bandas indie de garotos, então quando conheci minha amiga Isa, (Isabella Summers, com quem Florence compõe regularmente desde então e que toca teclados na Florence + the Machine) durante uma festa em um prédio abandonado, a gente se deu bem logo de cara porque ambas queríamos fazer música juntas e longe deles.”
Segundo Welch, compor com Summers permitiu que ela fosse “levada emocionalmente” a se expressar do modo mais amplo possível. Suas canções tendiam à grandiosidade, mas as letras pareciam saídas de um diário. (No início desse ano, Welch publicou seu primeiro livro de letras de música e poesias, Useless Magic). Considerando os trabalhos anteriores, o High As Hope veio como uma surpresa, por ser de longe o álbum mais reflexivo e tranquilo de sua carreira.
Também foi o primeiro composto e gravado sóbria. A febril Big God trata o amor como um vício, enquanto Hunger, com o verso inicial “Aos dezessete anos, comecei a parar de comer”, detalha com firmeza sua luta com a anorexia. Ir a público sobre assuntos tão particulares está sendo catártico para Welch.
“Eu me aceito muito mais agora [como resultado disso] e tenho dias realmente bons, mas tem dias em que ainda me pego me criticando demais,” revela Welch. “As questões insidiosas e subjacentes ainda estão lá.” Big God, por exemplo, fala de um homem que não responde às mensagens dela, mas de um jeito mais profundo também diz respeito a se valorizar em vez de confiar demais em outra pessoa para se sentir melhor. “Essa pessoa que não responde às minhas mensagens, isso é falta de educação, não é?” pergunta a cantora, rindo. “Ela sumiu! Deve ser um gênio mágico! Portanto, preciso continuar me dedicando a essa pessoa!” Florence sacode a cabeça, questionando: “Que porra é essa?”
Welch gravou os arranjos de cordas para o High As Hope com o produtor e compositor Emile Haynie no mês de julho de 2017 em Londres. Foto: Tom Beard
Welch compôs boa parte do High As Hope sozinha em Londres, sem a ajuda da colaboradora de sempre, Isabella Summers (Depois, Florence convidou alguns compositores e produtores, incluindo Tobias Jesso Jr e Emile Haynie) “Acho que Florence queria descobrir algumas coisas por conta própria [nesse álbum], especula Summers. “Foi o momento de fazer tudo sozinha, por isso é algo tão íntimo.”
Os outros álbuns de Welch capturaram deliberadamente alguns momentos da vida dela de modo exagerado. “O Lungs, por exemplo, foi um pandemônio total,” diz ela sobre o álbum de estreia da Florence + the Machine em 2009. “Eu decidi que a minha vida inteira seria como um festival: subindo em árvores, coberta de purpurina e louca de ecstasy. Já o Ceremonials [de 2011] foi um fragmento de vida imenso e prateado, uma espada, bem sombrio e bastante lúgubre, mas nessa época eu estava bebendo demais, então queria disfarçar tudo em uma imensa catedral de sons.”
Com o How Big, How Blue, How Beautiful de 2015, o primeiro álbum da banda a chegar ao topo da parada Billboard 200, ela tentava buscar uma saída do caos em que havia transformado sua vida particular, após trocar constantemente a estabilidade pelo hedonismo. “Aquele álbum foi celestial e elétrico porque eu estava de coração partido, chateada e determinado a tirar aquilo tudo de mim,” explica ela. “Foi um álbum muito masculino.”
Florence se apresentando no Brooklyn dia 24 de junho de 2018. Foto: Theo Wargo/Getty Images
Por vários anos, Welch se preparou para os shows tentando imitar cantores. Ela assistia a vídeos de Otis Redding cantando Try a Little Tenderness e imagens de Mick Jagger e Nick Cave esperando canalizar elementos de todos eles. Quando comparada a artistas do sexo feminino, geralmente surgem os nomes de Stevie Nicks, Joni Mitchell, Grace Slick e Patti Smith, todas vozes singulares de eras passadas, sugerindo tacitamente que em 2018, Welch tem o campo só para ela. Bobagem, insiste a cantora.
“Muita gente, a maioria jornalistas do sexo masculino, pergunta como eu me sinto ao ser mulher no rock hoje, como se isso ainda fosse pertinente de alguma forma,” reclama ela com um suspiro e apoiando cabeça nas mãos. “Por que ainda estamos falando disso? Acabei de fazer shows nos EUA com Lizzo e St. Vincent, shows de arena. Não só estamos vendendo muitos ingressos, como dominamos a porra da multidão, mas aí eu vejo outros festivais que não colocam mulheres como atrações principais e penso: 'Por quê?' Não consigo entender essa ideia que os astros do rock são os únicos que atraem multidões e que eles ainda são homens. São mesmo?” Ela faz uma pausa, incrédula. “Talvez ainda existam muitos astros de rock por aí, mas eles são mulheres! E sóbrias! Talvez os astros do rock de hoje também sejam astros do pop? Talvez os astros do rock não tenham a mesma aparência que algumas pessoas esperam porque essa percepção está ultrapassada. Os tempos estão mudando. Headliner de festival hoje em dia é Adele, Beyoncé. Você pode ser incrivelmente livre, feroz, cheia de fúria feminina e liderar a multidão.” Ela gargalha: “A fúria feminina é uma das coisas mais assustadoras que você pode imaginar.”
Foto: Nicole Nodland
Agora, nas semanas que antecedem as indicações para o Grammy, esta fúria também é uma das forças mais poderosas transformando a música e a cultura como todo, fazendo Welch ser mais relevante do que nunca. Contudo, a mulher que conversa comigo hoje não tem fome de troféus há muito merecidos. Ela levanta para esticar as pernas, pega mais chá e volta para o sofá como se não desejasse nada além de paz, tranquilidade e talvez uma soneca reparadora.
“Às vezes eu realmente desejo ser mais cool, bem no estilo estrela do rock,” admite ela. “Ficar sentada aqui de óculos escuros sem responder às perguntas e bem enigmática, sabe? Mas eu gosto de pessoas e quero deixá-las confortáveis.”
Por fim, como qualquer um que ouça o High As Hope vai entender, ela está trabalhando bastante para também se sentir confortável. “Não quero mais ser o tornado,” revela Welch. “Adoro fazer turnês e sentiria falta se parasse, mas também adoro os vislumbres de felicidade doméstica que tenho. Quero viver nos dois mundos, se possível. Há algo em mim agora que deseja ser feliz. Eu rejeitei a felicidade no passado, essa coisa doméstica e estável, mas agora não faço mais isso.”
Ela não aprendeu esta lição no divã da terapia e sim nas próprias canções: “Boa parte das minhas músicas sabem as coisas antes de mim, elas são mais espertas que eu,” conta ela, citando uma frase da música que encerra o High As Hope, chamada No Choir: “Por um instante nós conseguimos ficar tranquilos.”
Foto: Nicole Nodland
“É como uma mensagem para mim mesma. Por mais que eu adore fazer shows transcendentes, também gosto de ficar em casa vendo televisão com alguém, cozinhando, lendo juntos. Minhas canções dizem isso e eu não tinha percebido até ouvi-las. Elas são boas fontes de previsão para mim, eu acho.” Florence sorri, com ar melancólico. “Preciso ouvi-las mais.”
Para Welch, aceitar esta calma permitiu que ela entrasse numa concha que nem sabia que tinha ao criar o High As Hope. Mas se as farras do passado ficaram ausentes, a disposição continua: “O novo álbum feito por ela tem uma calma no mesmo estilo do Nick Cave, o que significa que não tem nada de calmo,” explica a diretora e fotógrafa Autumn de Wilde, que dirigiu o clipe de Big God. “Fico impressionada com quem consegue transformar um sussurro em um grito.”
“Esse é definitivamente o meu álbum mais feminino,” define Welch. “É mais rosa, mais... Orquídeas. Mas tem uma ferocidade também. Só porque é um álbum feminino não significa que seja frágil. Na verdade, muito pelo contrário,” destaca.
“Ela é basicamente uma super-heroína”: Três artistas dizem como Welch é a maior inspiração para elas
Cat Power, cantora e compositora
Foto: Chris Pizzello/Invision/AP/Shutterstock
“Conheci Florence em uma piscina de Los Angeles. Foi até ela porque minha afilhada surtou quando a viu, e ela foi encantadora. Ela é uma super-heroína, basicamente. Ela é liberdade. É como música gospel, sabe? Esse tipo de exaltação admirada.”
Autumn de Wilde, fotógrafa e diretora
Foto: Owen Kolasinski/BFA/Shutterstock
“Florence me procurou para criar uma ideia para um clipe e, quando ouvi Big God pela primeira vez, minha alma ficou em chamas. Ela é tão elétrica e magnética. Eu queria que o clipe fosse furtivo e grotesco, mas sexy e Florence entendeu esse poder.”
Isabella Summers, colega de banda
Foto: Lillie Eiger
"Quando conheci a Florence, eu estava trabalhando com vários rappers no Reino Unido, mas queria mesmo era trabalhar com outra mulher. Eu a convidei para um estúdio de ensaios meio tosco, bem rock’n’roll, nós começamos a trabalhar juntas e foi isso: encontrei minha parceira.”
As oito indicações de Florence ao Grammy
2010 Best New Artist (Melhor Artista Revelação)
2012
Shake It Out, best pop duo/group performance (melhor apresentação pop de dupla ou grupo) Ceremonials, best pop vocal album (melhor álbum vocal pop)
2013 Sweet Nothing, best dance recording (melhor gravação dance)
2015 Ship to Wreck, best pop duo/group performance (melhor apresentação pop de dupla ou grupo) How Big, How Blue, How Beautiful, best pop vocal album (melhor álbum vocal pop) What Kind of Man, best rock performance (melhor apresentação de rock) What Kind of Man, best rock song (melhor canção de rock)