Foto: Divulgação
Em entrevista ao jornal britanico Evening Standard divulgada hoje, Florence conta que parar de beber mudou totalmente o seu jeito de se apresentar. O texto original pode ser lido aqui e a tradução abaixo é exclusiva do Site Florence Brasil.
Florence: “Fazer turnês sóbria é muito melhor, mas também é mais difícil e solitário.”
Entrevista: Craig Mclean
Nos bastidores da casa de espetáculos SSE Hydro, em Glasgow, os nove integrantes da Florence + the Machine estão amontoados em um corredor. Eles vão entrar no palco em 10 minutos para se apresentar diante de uma plateia de 13 mil pessoas neste sábado à noite. A casa está com a lotação esgotada.
Agora, contudo, eles estão se apresentando para si mesmos. Florence Welch, descalça, usando vestido diáfano Gucci e lingerie verde-esmeralda, lidera o grupo igualmente dividido entre homens e mulheres em uma versão quase acapella de June, música que abre o seu quarto álbum, High As Hope. Há giros, palmas, gritos, mãos dadas, passos de valsa em que cotovelos se esbarram, um pouco de violão e muita intimidade entre os integrantes da banda.
“Ho-o-o-o-ld on to each other,” canta Welch em sua voz marcante que, cheia de emoção, toma conta e aquece o corredor frio, repleto de caixas de cadeiras.
Esta é a cantoria pré-show, ritual que vem se realizando antes de todos os espetáculos deste ano e vai continuar abrindo as noites desta turnê que vai durar até o próximo verão [no Hemisfério Norte]. O ritual cumpre o papel que o álcool costumava fazer para a agora sóbria Welch e a deixa no clima para se apresentar, mas realça também a estética da era High As Hope, que inclui seu primeiro livro de poesias, letras e desenhos (geralmente reveladores), Useless Magic.
“É um álbum emocional, com muito desejo de ternura e conexão,” diz Welch, de 32 anos. Dez dias antes de Glasgow, nós nos encontramos em Camberwell, no sul de Londres que ela sempre chamou de lar.
“Esse álbum é quase mais suave do que os anteriores,” diz ela. “Tem raiva e fúria nele, mas em uma canção como June, o grito é para cuidar uns dos outros.”
Ela explica como essa ideia influenciou a produção da turnê: “Eu queria criar um ambiente em que as pessoas se sentissem abraçadas. Então, temos muitos materiais orgânicos (o palco é feito de madeira linda e suave) e um proscênio. Não há bordas pontiagudas e temos tecidos pendurados no teto.”
“Na verdade, eu queria um design de aromas porque eu sou doida!” anuncia ela, com uma risada que explode de modo vulcânico. “Minha ideia era colocar um cheiro de igreja nos locais dos shows, mas disseram que não dá para fazer isso por motivos de saúde. E se alguém for alérgico? Além disso, deixaria a turnê muito cara,” conta ela, aos risos.
Fora do palco e durante a conversa, Welch continua sendo bastante Florence, com muito barulho de joias em torno do pescoço, pulsos e dedos, além de gestos expressivos com as mãos, várias mexidas de cabelo e emoções alegres expressas de modo nada convencional. Além disso, há um alívio pelo High As Hope ter sido tão bem recebido pelo público e crítica. Especialmente, considerando o quanto o primeiro single é revelador, desde a primeira frase.
“Aos dezessete anos, comecei a parar de comer. Pensei que o amor era uma espécie de vazio,” canta ela em Hunger. Na primavera [do Hemisfério Norte], eu fui a uma audição inicial do álbum feita pela própria Welch em um clube particular em Mayfair. Ao apresentar as canções, ela pareceu atipicamente nervosa. Ouvindo Hunger e depois Grace, um pedido de desculpas à irmã caçula por ser basicamente uma pessoa irritante em busca de atenção, eu entendi o motivo.
A confissão de um transtorno alimentar na adolescência era a maior preocupação, “porque era uma parte muito grande de mim que eu estava dando às pessoas e teria sido doloroso se fosse recebida do jeito errado, mas as pessoas receberam com muito amor e carinho. Isso mudou a minha vida.”
De que forma? Ela faz uma pausa, mexe no cabelo, os três crucifixos que ela usa no pescoço fazem barulho.
“Era um segredo que eu vinha guardando a vida inteira,” ela finalmente responde, “mas comecei a conversar sobre isso com algumas pessoas que poderiam me ajudar e com outras mulheres que viveram algo semelhante.”
“O fato de começar a trazer essa questão à tona me permitiu compor uma canção sobre ela.” E depois, aparentemente, decidir que anorexia é um ótimo material para o single pop que marcaria o seu retorno às paradas? Ela ri com vontade e concorda: “Que porra foi essa que eu fiz? Está tocando na porra do rádio! Eu sou maluca!”
Se for o caso, pelo menos a loucura não se manifesta mais na bebida. Ex-adepta entusiasmada das farras, Welch está longe do álcool e das drogas desde o início das gravações de seu terceiro álbum, How Big, How Big, How Beautiful (2015). Fazer turnês sóbria “é muito melhor, mas também é mais difícil e solitário,” reconhece ela.
“Eu costumava ficar bêbada no palco o tempo todo e achei que isso fazia parte [de ser artista],” admite Welch. “Aí eu percebi o quanto era bom me conectar de verdade com a plateia e estar presente. Sim, eu nunca mais vou ficar bêbada no palco, mesmo se decidir começar a beber casualmente, o que eu duvido muito porque nunca bebi casualmente na vida!”, ela ri histericamente, fazendo as joias balançarem mais uma vez.
“Uma taça de vinho? O que é isso?”, debocha Welch. “Sempre fui direto aos shots. As pessoas me perguntam: ‘Mas você não sente falta de uma taça de vinho?’ Não, eu sinto falta de sete shots de vodca um atrás do outro.”
Uma semana e meia depois, em Glasgow, está claro onde Florence encontra seu barato agora: no contato com o público. Perto de fim de um show de 100 minutos sempre fervorosos, ela sai do palco, ainda descalça, e se joga na plateia . Seguida de perto pelos seguranças, Florence canta pelo caminho, segurando as mãos de fãs, subindo na grade, pulando barreiras e correndo em volta da arena até voltar ao palco.
Em What Kind of Man, que fecha a primeira parte do show, Florence está a centímetros de distância do público espremido na grade, pressionando a testa contra a testa dos fãs e tocando rostos como se estivesse absolvendo seus seguidores do sexo masculino.
É uma apresentação e tanto, uma noite marcada pela conexão, pelo contato físico e a mentalidade de “cuidem uns dos outros.” Só Deus sabe o que ela vai fazer nos dois shows que acontecem esta semana no sul de Londres onde Florence Welch nasceu e foi criada.
“Quanto mais calma está a minha vida fora do palco, mais ferozes ficam as apresentações,” reconheceu Welch em Camberwell. “Boa parte desses anseios e energias autodestrutivas pelos quais eu costumava me criticar para caralho de repente ganharam um lugar onde podem ser vividos sem restrições. O monstro finalmente está livre,” ela diz, mais uma vez às gargalhadas, “mas agora de um jeito construtivo.”
Florence + the Machine se apresenta na The O2 Arena nos dias 21 e 22 de novembro