Florence dançando no show do Hyde Park em Londres. Foto: Lillie Eiger
Como vocês sabem, a gente estava lá no show do BST Hyde Park. Foi uma experiência inesquecível e fazemos questão de dividir tudo com vocês, então vamos lá! Mesmo comprando a entrada antecipada que liberaria o acesso ao meio-dia, cheguei lá por volta das nove e meia para garantir um bom lugar na fila. O clima entre os fãs era bastante tranquilo e amigável.
Por volta das 11 da manhã eu precisei sair da fila porque fiz o upgrade pra entrada antecipada depois e precisei buscá-lo na bilheteria. A parte boa disso é que eu fiquei com um ingresso lindão em papel em vez do e-ticket que normalmente é fornecido quando se compra o ingresso online.
Meu ingresso, ainda amassado depois da viagem de volta. Foto: Patrícia Azeredo
Pouco antes de abrirem os portões do evento uma equipe do festival filmou a galera que estava bem na frente, entrevistando os mais animados e até fazendo um ensaio com uma menina que estava totalmente vestida ao estilo da Florence.
A entrada também foi tranquilíssima, nada de estresse, correria ou empurra-empurra. Deu até pra pegar uma Diet Coke que estava sendo distribuída. Uma vez lá dentro, o objetivo era correr para a área mais perto do palco, cujo acesso é limitado. O BST não tem área VIP, mas quem chega cedo pode pegar uma pulseirinha que dá direito a entrar e sair dessa área mais próxima ao palco com capacidade para sete mil pessoas, segundo um funcionário. Pulseira devidamente colada no braço, é hora de explorar o festival, descobrir os outros palcos e encontrar a tenda do Between Two Books, onde haveria a discussão do livro The Importance of Music to Girls, sobre a qual você pode ler tudo aqui.
Depois do debate, voltei ao palco para conseguir um bom lugar. Peguei o final do show do Blood Orange e fiquei com gosto de quero mais. Custei um pouco a encontrar meu grupo de amigos, que estava a três pessoas da grade, mas com a ajuda outros fãs eu cheguei lá. Foi uma bela demonstração de “hold on to each other” ("cuidar uns dos outros.")
O show da Lykke Li foi uma grata surpresa. Ela tem carisma, canta bem e faz um pop acima da média do que se ouve hoje em dia. A música que ela fez com o Mark Ronson, Late Night Feelings, botou todo mundo para dançar, mas o destaque mesmo foi olhar para a lateral do palco e ver Florence dançando com a sobrinha Bonnie, que estava usando protetores de ouvido e parecia se divertir muito no festival. Florence também dançou sozinha como se ninguém estivesse olhando.
Em seguida o The National tomou conta do palco, em um show centrado no excelente álbum I Am Easy To Find. O vocalista Matt Berninger estava bêbado e jogava copos de sidra na plateia, o que me pareceu desnecessário. Um deles chegou até onde eu estava, mas ninguém ao meu redor se abalou e o show vale a pena mesmo assim. Matt também se entrega e canta no meio do povo, só que ele usa um microfone com fio, o que deixa tudo bem engraçado e dá trabalho aos técnicos.
Após um breve intervalo, chegou a hora! Florence começa com June, emenda em Hunger (para delírio do público) e só se dirige à plateia com um “Oi Londres. Nós somos Florence + the Machine” depois de Ship to Wreck. Em seguida, ela convida: “Vocês gostariam de dançar conosco? Não tenham medo”. Antes de cantar Only If For a Night, ela vê o pessoal da grade imitando seus movimentos fluidos e elogia: “Vocês estão fazendo certo e estão lindos.”
Conforme prometido, a apresentação teve visuais exclusivos no telão. Várias cenas da Florence dançando daquele jeito singular, tudo muitíssimo bem filmado. Contudo, fica mais fácil vê-los de longe do que perto do palco (veja a apresentação filmada mais de trás aqui). Além disso, Florence Welch ao vivo é uma presença tão magnética que é impossível olhar para qualquer outro lugar.
Depois de Queen of Peace, que ganha um arranjo pungente no violino, ela agradece e confessa: “Estou tão nervosa! Porque é um show em casa e significa muito para mim” (risos). Sob aplausos da plateia aplaude, ela pergunta: “Tem alguém do sul de Londres por aqui?” e ao ouvir a resposta, começa a rir e diz: “Por que tem gente vaiando?” (Uma resenha do show especula que as vaias eram dos moradores da região norte da cidade). “Londres, eu amo você. Obrigada por me receber.” Em seguida veio o já tradicional discurso antes de Patricia: “Estou tão feliz por fazer este show. Esta música foi composta como um tributo a uma das minhas mulheres favoritas, que significa muito para mim. Ela me guiou por tanta coisa e me disse recentemente que estaria comigo sempre que eu cantasse esta música. Então isso significa que ela está aqui com a gente esta noite. Patti Smith, nós damos as boas vindas a você!”
Nesse momento, em vez de falar da masculinidade tóxica como fez em outros shows, o discurso toma outro rumo: “Estou fazendo o melhor que posso porque não sou muito boa para falar com multidões. Eu consigo cantar, gritar e rodopiar, mas esse negócio de falar é difícil. Mas vou tentar, pois o que eu tenho a dizer é muito importante. Estou muito feliz por me apresentar hoje em um festival com 70% de mulheres!“ (plateia grita e aplaude, Florence ri) “Isso infelizmente ainda é muito raro no circuito de festivais, mas olha só: bem-vindos ao matriarcado. É divertido!” (mais gritos da plateia e risos da Florence) “Então eu queria agradecer não só a todos que vieram aqui para apoiar este evento como também a todas as mulheres incríveis com quem eu trabalho nos bastidores todos os dias e que me ajudaram a montar este show. (mais aplausos). Sim, este festival e este line-up foram feitos por mulheres e o que vocês estão vivendo é uma experiência matriarcal. (gritos da plateia) Estão vendo, rapazes? Não é tão ruim. Talvez a gente devesse tentar isso em outros lugares.”
Em Patricia, a plateia bateu palmas na parte de “It’s such a wonderful thing to love” antes mesmo da Florence, mostrando que todos estavam em sintonia. Apesar disso, um fator que causa estranheza em shows no exterior é o quanto a plateia canta baixo ou não canta. Saí do show com a voz totalmente normal, algo que jamais aconteceria no Brasil, onde o padrão é gritar até ficar rouca.
A anfitriã da noite olha a plateia de adoradores com carinho. Foto: Lillie Eiger
Na hora de Dog Days Are Over, ela manteve a tradição e pediu: “Londres! Agora eu quero que todas as pessoas deste festival se abracem e digam que vocês se amam. Diga a um desconhecido ou a pessoa que está atrás de você que você a ama porque eu prometo, Londres, que em algum nível cósmico você ama mesmo.” A plateia atendeu prontamente e ela continuou: “Agora, vamos fazer algo muito estranho. Vocês não vão gostar e vão ficar muito vulneráveis, mas quero que vocês confiem em mim. Vocês confiam em mim? (plateia responde) Agora eu quero que cada pessoa da plateia guarde o celular, até o pessoal lá do fundo” (o público grita). “E vocês vão ter que me ajudar aqui, Londres. Quero que vocês olhem ao redor e se virem alguém com um celular, gostaria que pedissem muito educadamente para guardá-lo. E caso alguém não atenda, façam como a rainha e digam: ‘Guarda a porra do telefone!’” O pedido foi tão atendido que não encontrei no YouTube um vídeo dessa música inteira neste show. Ela também pediu para a plateia pular, dançar e curtir bastante porque momento não estava sendo gravado, nem compartilhado, era algo exclusivo.
Depois do êxtase, a calmaria: “Eu gostaria de dedicar esta música a Arya Stark” abre o caminho para Jenny of Oldstones que é absolutamente incrível ao vivo. É a pura força da voz da Florence e a harpa. A plateia nem canta junto, apenas ouve embevecida e hipnotizada. Foi de arrepiar, literalmente.
Em seguida, 100 Years e Moderation incendeiam a plateia. Florence dança com uma ferocidade impressionante. A intensidade da entrega faz a gente entender que ela precisa mesmo de um descanso. O ritmo se acalma novamente quando ela canta You've Got The Love e emociona a plateia. Juro que levei uma bandeira do Orgulho LGBT que foi parar lá na grade, com a galera fazendo tudo para a Florence segurá-la, mas não foi dessa vez.
Após uma emocionante interpretação de The End Of Love, Florence agradeceu e cantou um trecho de Bloodbuzz Ohio do The National, deixando meu queixo no chão do Hyde Park. Como fã das duas bandas, foi um presentaço. Ela comentou: “Não consegui ver o show deles porque precisava me preparar, mas eu consegui ouvir e eles soavam tão lindos. The National é uma das minhas bandas favoritas. (risos). Muito obrigada por estarem com a gente esta noite. Eu posso cantar todas as músicas antigas deles, mas não daria tempo. Além disso, vocês acabaram de ouvir tudo!” Eu não sei o resto da plateia, mas eu poderia passar a noite inteira ali ouvindo Florence Welch cantar todo o repertório do The National acapella.
Ela continuou: “Estou tão impressionada com tudo isso. De tocar no All Blue Lost quase toda semana no leste de Londres, em Candem, no sul de Londres e basicamente em qualquer lugar que nos aceitasse. Nós fazíamos quatro shows por semana em todos os pubs e casas de shows de Londres e não acredito que dez anos depois nós ainda estamos aqui com todos vocês” (plateia aplaude). “Eu só quero dizer que uma das coisas mais lindas para mim é ver a comunidade que se criou em torno dos shows, nesse fandom e como vocês são gentis uns com os outros e com o mundo. Fico muito emocionada e grata por cada um de vocês e pelo amor que vocês dão a mim e uns aos outros. Obrigada!”
“Este pode ser o nosso último show em Londres por um tempinho, mas eu sei que vocês vão cuidar muito bem uns dos outros. E essas pessoas aqui neste palco que eu amo tanto (risos) e venho cantando com eles praticamente todos os dias por dois anos sem parar. Mas eu tenho que dizer: embora eu esteja bem cansada e precise descansar um pouco, esta turnê e esses shows são os meus favoritos, muito obrigada mesmo. Não sei se tem algo a ver comigo e acho que é por causa de vocês que vêm a esses shows todos e criam essa conexão. Vocês me permitiram ser muito vulnerável nesse álbum e não se afastaram. Vocês vieram comigo e isso significa tudo para mim. Nem consigo expressar o que isso fez por mim. Muito obrigada. Não tenho palavras para agradecer, então ofereço esta canção a vocês. Foi uma das primeiras que compusemos, com uma ressaca imensa em Crystal Palace! (plateia grita) e eu a dedico a vocês. Obrigada, eu amo vocês, nós amamos vocês. Amem-se uns aos outros!”
Este discurso comovente foi a deixa para Cosmic Love, em que ela também pede à plateia no meio da música: “Londres, se vocês tiverem luzes, poderiam levantá-las, por favor?” e o parque se transformou em um grande céu estrelado, uma visão e tanto.
Em Delilah, temos o momento clássico em que ela passa correndo pela grade (mas correndo mesmo! Com uma rapidez digna de Usain Bolt) e vai até a plateia do lado esquerdo do palco, sem desafinar ou perder o fôlego e sempre acompanhada pelo segurança Paddy e pela fotógrafa Lillie Eiger. Em seguida, ainda no meio do povo, ela canta What Kind of Man e “abençoa” alguns fãs como sempre, em uma apresentação extraordinária.
Florence "abençoa" fãs em What Kind of Man. Foto: Lillie Eiger
De volta ao palco, a plateia se olha incrédula ao ouvir os primeiros acordes de Kiss With a Fist com uma pegada ainda mais rock e uns efeitos de sintetizador bem interessantes. Segundo o setlist.fm, a música não era apresentada ao vivo desde 2015! Em uma bela homenagem aos 10 anos do Lungs, Florence se joga nos braços da plateia como fazia no início da carreira, sendo carregada por algum tempo até voltar ao chão para cantar e dançar no meio do povo. Contando com a ajuda dos seguranças, ela volta ao palco mais uma vez, não sem antes dizer “Obrigada, Hyde Park, boa noite!”
Florence se entrega à multidão em Kiss With a Fist. Foto: Lillie Eiger
Mas é claro que o show não acabava ali e em pouco tempo a banda volta para o bis com a impactante No Choir, que é basicamente só voz e harpa, e a impecável Big God, depois da qual ela agradeceu de novo: “Muito obrigada, Londres. E muito obrigada a todos os artistas incríveis que se apresentaram aqui hoje. Nós amamos vocês”
Emocionada e visivelmente feliz, Florence elogia: “Vocês estão sendo tão lindos esta noite, muito obrigada. Eu realmente... É, estou sem palavras. Eu amo vocês, obrigada.” E continua: “Temos um último pedido esta noite. Vocês poderiam ser o nosso coral? Podemos cantar esta juntos?” A plateia responde que sim e depois de um breve teste em que ela pede ao público para repetir uma nota, Florence aprova: “Muito afinado, está lindo. Soa perfeito. Estamos prontos”, aí ela começa a rir e diz: “Tá, vocês estão prontos, mas eu não”. Mas a recuperação foi rápida e ela logo começou a catártica Shake it Out, que fechou a noite e foi cantada com entusiasmo pelo público (que não chega nem perto do entusiasmo brasileiro, é preciso dizer). Florence encerra o show dizendo: “Cuidem uns dos outros, nós amamos vocês, boa noite!”
O telão passa os créditos dos vídeos, onde se vê que a direção de fotografia foi feita por Amanda Charchian, Bibi Borthwick e Laura Jane Coulson. A direção criativa é de Willo Perron e a direção do show é creditada ao Vincent Haycock. No fim dos créditos, surge um verso de Spectrum "We are shining. and we will never be afraid again". É com essa mensagem de esperança que a plateia sai do festival.
O show todo é muito intenso e passa tão rápido! Florence realmente se entrega e se joga com gosto, literal e metaforicamente na plateia. Ela está cantando melhor do que nunca, fazendo improvisos vocais e soltando notas altas e longas com facilidade. É uma experiência única, inigualável e quase religiosa. A apresentação é catártica e dá vontade de assistir a outro show imediatamente. Antes de ser fã da Florence + the Machine, eu achava estranho ver mais de um show da mesma turnê, mas agora entendo perfeitamente os fãs que fazem de tudo para ver várias apresentações.
"Nós estamos brilhando. E nunca mais teremos medo novamente. Voltem para casa em segurança!" Foto: Patrícia Azeredo
Setlist
June
Hunger
Ship to Wreck
Only If for a Night
Queen of Peace
Patricia
Dog Days Are Over
Jenny of Oldstones
100 Years
Moderation
You Got the Love
The End of Love
Cosmic Love
Delilah
What Kind of Man
Kiss With a Fist
Bis
No Choir
Big God
Shake It Out