No dia 12 de dezembro de 2019, Florence participou 11º episódio do podcast As Me With Sinéad com a escritora, acadêmica, influenciadora e radialista, além de ativista em prol das pessoas de baixa estatura e da acessibilidade na moda, irlandesa Sinéad Burke. As duas conversaram por aproximadamente 50 minutos, em um dos episódios mais longos do podcast até agora.
O papo foi tão intenso e longo que nós vamos publicar a tradução em quatro partes, todo domingo aqui no site. Lembrando que todos os direitos desta tradução estão reservados para o Site Florence Brasil.
Você pode ouvir o As Me With Sinéad no Spotify, Apple Podcasts ou no mesmo site onde está a transcrição em inglês do episódio. Entre colchetes está a minutagem das falas, para facilitar a localização. E a conversa está logo abaixo da imagem!
[00:37] Sinéad Burke: Bem vindo ao As Me with Sinéad. O episódio desta semana é com alguém que conheci este ano, mas tenho o imenso privilégio de chamá-la de amiga. Nós nos encontramos nas circunstâncias mais surreais. Foi em Nova York, onde estou atualmente, mas estávamos lá para uma festa em um museu chamada Met Gala, que essa pessoa já tinha frequentado mais de uma vez. Aquela era minha estreia. Quando nos conhecemos, a primeira coisa que ela fez foi se abaixar até a minha altura, fazendo o belíssimo vestido arrastar e tocar o chão, mas ela não se importou. Ela queria me olhar nos olhos e ter uma conversa em que ambas fôssemos fisicamente iguais. A convidada desta semana no As Me with Sinéad é a extraordinária Florence Welch, da Florence + the Machine. Uma das partes desta conversa na qual penso o tempo todo é quando a Florence diz que o único espaço no qual ela é se sente confiante, confortável e sem qualquer ansiedade é o palco, mesmo sem ter qualquer lembrança do que aconteceu na apresentação assim que sai dele.
[01:46] Florence Welch: É esquisito porque o palco é o lugar em que você é mais vista, mas eu consigo desaparecer totalmente. Além de cantar, você precisa forçar muito o corpo e acaba fazendo expressões faciais estranhas, mas nada disso importa. Todas as piores partes de mim ganham uma utilidade ou são absorvidas. E é uma libertação para mim, dessa pessoa complicada [que eu sou].
[02:52] Sinéad Burke: Sentada diante de mim está uma pessoa que fez parte da minha vida bem antes que eu pudesse conhecê-la. Em alguns dos melhores momentos e (mais importante!) nos mais desafiadores, aqueles em que tudo parece difícil demais, você quer desistir e pensa que aquela situação é para você. Para o que eu sentia nesses momentos, só havia um tipo de música que eu procurava. Bizarramente era de um filme da Branca de Neve, e eu acho que não gostava dele devido às relações entre o conto de fadas e o meu tamanho. Mas a música foi composta e gravada pela pessoa que está sentada aqui na minha frente. Era Breath of Life, que foi mesmo um Sopro de Vida.
[03:33] Florence Welch: Isso é incrível! Essa música não é muito conhecida.
[03:34] Sinéad Burke: Eu amo! É um hino poderoso que me fez perceber que praticamente tudo era possível. Obviamente, isso significa que quem está sentada diante de mim é a extraordinária Florence Welch, da Florence + the Machine.
[03:48] Florence Welch: Muito obrigada. Essa foi uma apresentação bastante gentil.
[03:54] Sinéad Burke: Como você se descreve, Florence, em termos pessoais e profissionais?
[04:01] Florence Welch: Era tudo tão confuso... Eu nunca soubre explicar direito. Especialemente quando estava passando pela alfândega, parece que eu estava tentando enganar alguém e vão me pegar com a mão na massa. “Que tipo de música você faz?” Não faço ideia. No início da carreira, quando foi indicada para um Brit Award e me pediam para descrever, eu diia que meu som lembrava um coral de freiras sendo jogadas no poço de um elevador.
Até eu tinha problemas em me descrever como musicista e precisei lutar muito para assumir e aceitar isso
[04:33] Sinéad Burke: Sua assessoria de imprensa deve amar você.
[04:34] Florence Welch: Acho que eu era muito nova. E por um tempo eu tive muita dificuldade com isso. Acho que eu era muito insegura porque consigo fazer música, mas nunca tive treinamento formal como musicista, só como cantora. Então até eu tinha problemas em me descrever como musicista e precisei lutar muito para assumir e aceitar isso. Eu também experimentei outras coisas, escrevi poesias e tal, então eu acho que me descreveria como musicista e poetisa. Mas levei um tempo para chegar a tudo isso porque acho que você fica cheia de dúvidas, especialmente sendo uma mulher jovem na indústria musical.
[05:18] Sinéad Burke: Qual foi o momento em que você ficou confiante pra dizer essas coisas?
[05:22] Florence Welch: Acho que foi com o tempo. Sinto que a minha obra agora é bem sólida. E você provavelmente pode questionar muita coisa, mas não dá para questionar que tenho uma obra consolidada. São muitas canções. E acho que especialmente nesse último álbum High As Hope, eu passei muito tempo trabalhando sozinha, construindo o som dele e espancando terrivelmente as teclas do piano antes de buscar outros colaboradores ou produtores. Acho que me senti muito mais confortável para assumir o título de musicista e produtora, sabe? Mas é, acho que sou melhor nos shows mesmo. É onde tudo meio que se junta para mim, todos esses elementos distintos. Porque ali tem poesia, música, muito piano ruim sendo tocado e canções de três notas. Mas é engraçado porque você realmente quer assumir a propriedade dessas três notas. Foi assim com Big God. São realmente três notas? Sim, mas fui eu que as toquei.
[06:42] Sinéad Burke: Mas é só isso que interessa. O que é realmente importante.
[06:45] Florence Welch: Não são tantas notas e nem tem mudanças de acorde, mas é legal.
[06:56] Sinéad Burke: Quem é você como pessoa? Quem é a Florence?
[06:56] Florence Welch: Ah, e acho que dançarina também. Então artista, musicista, poetisa e dançarina.
[07:05] Sinéad Burke: É um bom currículo.
Eu queria estar na Broadway. Foi meu primeiro sonho de infância, eu queria fazer musicais.
[07:06] Florence Welch: Bom, é tudo o que eu sonhei desde criancinha. Exceto que eu queria estar na Broadway. É, foi meu primeiro sonho, eu queria fazer musicais.
[07:16] Sinéad Burke: Que musicais?
[07:17] Florence Welch: Bom, minha avó nos levava para ver Oliver todo ano. Era sempre Oliver.
[07:24] Sinéad Burke: Será que foi um jeito de dier que aquelas vão ser as
consequências se você for gananciosa, egoísta e quiser sempre mais?
[07: 31] Florence Welch: Uma vida de crimes. Uma vida de crimes parecia ótima. Parecia bem divertido, mas a gente só assistia a Oliver. Acho que meu cérebro explodiu que me levaram ao primeiro musical que não era Oliver. Acho que me levaram àquele musical sobre Buddy Holly, que era bem rock and roll. Meu Deus, um novo mundo se abriu quando comecei a ver outros musicais na infância. Minha ambição de vida antes dos dez anos era ver Starlight Express.
[08:00] Sinéad Burke: E você conseguiu?
[08:01] Florence Welch: Sim. Eu fiz tudo que precisava fazer.
[08:04] Sinéad Burke: Depois disso não precisava de mais nada. A peça inspirou você a aprender a patinar?
[08:10] Florence Welch: Sim! Inspirou mesmo. Quer dizer, e,a foi escrita nos anos 1980, então eu não sei o que houve naquela reunião de criação. Deve ter sido divertido quando alguém falou: “Sabe do que precisamos? Trens de patins cantando glam rock ao vivo. Sim! Brilhante!”
[08:28] Sinéad Burke: Imagine os anúncios chamando para fazer testes para esses musical. E quem é Florence como pessoa?
[08:34] Florence Welch: Uau. Bom, acho que fico entre uma pessoa cheia de curiosidade e arrabetada pelo mundo, que enxerga muito romance, beleza e alegria nele e uma pessoa completamente apavorada. É como se os dois interruptores no meu cérebro fossem alegria e terror, e eles estivessem lado a lado, então eu mudo de um para outro rapidamente e às vezes nem sei por que. Mas provavelmente sou mais introvertida do que as pessoas imaginam, preciso passar muito tempo sozinha e penso muito.
[09:14] Sinéad Burke: No que você pensa?
[09:15] Florence Welch: Ai, meu Deus.
[09:16] Sinéad Burke: Agora que começamos, vamos até o fim. No que você está pensando no momento?
[09:22] Florence Welch: No momento eu estou pensando em... Na verdade eu descobri que fico altamente ansiosa e neurótica quando não estou fazendo algo.
[09:36] Sinéad Burke: Em relação a si mesma ou ao mundo?
[09:38] Florence Welch: Os dois. Quer dizer, é um período cheio de ansiedade para se viver. Então é uma espécie de narrativa de tudo isso que está acontecendo no mundo atualmente e está deixando todos nós superansiosos. E tem a ansiedade pessoal. Acho que quando você já teve um vício e passou por essa experiência, você vive com o medo esquisito de que alguém vai aparecer e dizer que essa vida nova e tranquila que você criou para si é uma mentira, nós sabemos quem você é de verdade e você vai ter que deixar para trás tudo o que construiu e voltar àquele caos. E todo mundo sabe disso agora. Está melhorando, mas acho que vivo com muita síndrome do impostor. E se não estiver fazendo algo ou seguindo firme na meditação e me cuidando, eu me critico demais. E acho que isso também é meio egocêntrico.
[10:43] Sinéad Burke: Nós duas somos de Virgem, então me identifiquei muito com isso. Eu gosto mais de culpar o universo do que aceitar como responsabilidade pessoal porque gosto de dizer que não tenho culpa de ser narcisista. Eu sou perfeccionista e constumo pensar demais em tudo. É o mundo em que vivemos e a época em que nasci, mas não tenho certeza se isso é problema do universo inteiro.
[11:11] Florence Welch: Acho que é um egocentrismo negativo.
[11:13] Sinéad Burke: Sim!
O palco sempre foi uma libertação muito grande para mim.
[11:14] Florence Welch: É isso que eu tenho. E se eu não cuidar bem da saúde mental tudo piora muito rápido e aí eu preciso recomeçar tudo do zero. Mas foi aí que eu percebi, quando voltei ao estúdio para trabalhar um pouco depois da turnê e voltei a compor. Quando saí de lá, percebi que não tinha sentido um momento sequer de ansiedade. Sabe, acho que pela primeira vez na vida, como não estou bebendo e nem usando drogas, eu tenho bem mais clareza em relação ao que sinto e estou percebendo o que acontece comigo com muito mais facilidade. Então eu me dei conta: “Ah, fazer algo é o meu jeito de sair de mim. É como eu estou presente no mundo.” E acho que é por isso que o palco sempre foi uma libertação muito grande para mim, porque durante aquela hora e meia... Quer dizer, antes eu costumava beber e usar drogas, o que não ajudava. Aí no palco tem isso... Acho que você fica tão presente consigo mesma, não é? E toda aquela conversa e o diálogo interno negativo...
[12:24] Sinéad Burke: Não tem espaço para eles.
O único jeito que conheço para não ficar ansiosa é trabalhar.
[12:25] Florence Welch: Não tem espaço! Eu também me sinto assim quando estou fazendo algo. E sou muito grata por ter isso porque acho que estou no meu melhor ali, mas aí fode tudo porque eu não sei relaxar. O único jeito que conheço para não ficar ansiosa é trabalhar.
E aí, gostaram? Essa foi só a primeira parte da entrevista, que será publicada aqui em quatro partes. Aguarde o próximo domingo para ler a segunda parte!