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'Tenho ataques de pânico e ansiedade desde que me entendo por gente.' As Me With Sinead - 2a parte

Atualizado: 26 de jan. de 2020


No dia 12 de dezembro de 2019, Florence participou do 11º episódio do podcast As Me With Sinéad com a escritora, acadêmica, influenciadora e radialista irlandesa, além de ativista em prol das pessoas de baixa estatura e da acessibilidade na moda Sinéad Burke. As duas conversaram por aproximadamente 50 minutos, em um dos episódios mais longos do podcast até agora.

O papo foi tão intenso e longo que nós vamos publicar a tradução em quatro partes, todo domingo aqui no site. Lembrando que todos os direitos desta tradução estão reservados para o Site Florence Brasil. Leia a primeira parte dessa entrevista aqui.

Você pode ouvir o As Me With Sinéad no Spotify, Apple Podcasts ou no mesmo site onde está a transcrição em inglês do episódio. Entre colchetes está a minutagem das falas, para facilitar a localização. E a conversa está logo abaixo da imagem!

​[15:01] Sinéad Burke: Como você pratica isso de estar presente quando não está no palco ou no estúdio? Estou perguntando porque preciso desse conselho.

[15:09] Florence Welch: Olha, é bem difícil. Eu faço meditação transcendental há quase cinco anos e está me ajudando demais. Na verdade, eu tive um ataque de ansidade bem ruim ontem. Aí eu chego nesse ponto onde acho que estou morrendo. O engraçado é que estou tentando desvendar a minha ansiedade e por que ela acontece. Eu estava com a família toda jantando lá em casa e de repente pensei que não conseguia respirar. Eu sei que estou tendo um ataque de pânico, mas também realmente quero que alguém me leve para o hospital.

[15:44] Sinéad Burke: Só por precaução.

[15:45] Florence Welch: Só por precaução. Mas as minhas mãos e os meus lábios ficam formigando. Eu fico achando que é muito grave, estou prestes a morrer e preciso deitar no chão e respirar. E o problema de ser a dramática da família...

[15:58] Sinéad Burke: Não sei do que você está falando. Não faço ideia.

[16:01] Florence Welch: É que mesmo se fosse sério, eles...

[16:07] Sinéad Burke: É como na fábula do menino e o lobo. Eles dizem “Você vai ficar bem. Basta sentar um pouco.”

Tenho ataques de pânico e ansiedade desde que me entendo por gente.

[16:10] Florence Welch: Pois é, no dia em que eu cair morta eles vão dizer: “Ah, ela está sendo tão dramática.” Mas felizmente a minha irmã veio, sentou ao meu lado e disse: “Eu te levo ao hospital, mas você está respirando porque está falando.” E isso meio que me sacudiu e me tirou dessa situação. O negócio é que a sensação passa, mas você fica meio tensa depois que essas coisas acontecem. Aí eu faço meditação transcendental e penso: “Essa merda não vai dar certo. Não tem como isso me ajudar.” Mas eu me agarrei ao mantra e dormi. Então a meditação vem sendo uma prática muito eficaz na minha vida. Além disso, quando não estou realmente presente, eu tenho uma espécie de prática de oração, na qual eu não sei para quem estou rezando. Não diria que sou religiosa, mas acho que especialmente quando você já teve um vício, é uma espécie de ódio por sí mesma. E com tanto ódio e egocentrismo negativo, é bom entregar os sentimentos a algo que não é você. Então digo: “Seja lá o que for, que não sou eu, porque eu, Florence, não estou lidando bem com essa merda toda.” Eu sento e apenas peço, tipo: “Por favor, me ajude”. Parece que o meu cérebro cria isso porque preciso de algo maior e externo para me ajudar a superar a situação. E aí tudo parece ficar mais tranquilo. Mas tenho esses ataques de pânico e ansiedade desde que me entendo por gente.

[17:45] Sinéad Burke: Se isso acontecesse na escola, os seus colegas entendiam? Eu tenho consciência que a nossa compreensão e a linguagem em torno da saúde mental melhorou drasticamente. Ainda não está como deveria, mas melhorou drasticamente nos últimos tempos. Contudo, eu imagino que não era assim há cinco, dez anos.

Sou considerada a dramática da família.

[18:06] Florence Welch: Acho que eu nem sabia o que era isso. Você tem toda a razão. Definitivamente não havia a linguagem que existe agora. Eu costumava chamar de ataques de ódio por mim mesma. Eu era inudandada pela vergonha, como se todo o meu eu estivesse afogado em vergonha e raiva. Consigo me lembrar disso acontecendo quando eu era bem jovem, esses pensamentos repetitivos e intrusivos que eu não conseguia impedir. E eu tenho isso desde muito nova, mas infelizmente, crescendo em uma família em me considerava muito emotiva, acho que eu era vista como um pouco histérica.

[18:45] Sinéad Burke: Mas é mais fácil ser caracterizada dessa forma quando você é mulher. Quer dizer, eu sou irlandesa. A ideia de viver com essa vergonha está no sangue.

[19:00] Florence Welch: Não sei o que aconteceu porque não me lembro de ser muito religiosa. Por que sinto tanta culpa?

[19:05] Sinéad Burke: É a fonte profunda do catolicismo de muito tempo atrás que ficou entranhada na terra.

[19:09] Florence Welch: Mnha ascendência é basicamente celta, então talvez seja herança mesmo.

[19:17] Sinéad Burke: Nós temos tanto em comum...

[19:20] Florence Welch: Eu herdei a vergonha e a autoflagelação. De várias gerações.

[19:26] Sinéad Burke: Mas é difícil, e ainda mais difícil se você não tiver a linguagem não só para articular o que está sentindo como para descobrir o que você precisa obter dos outros.

[19:35] Florence Welch: Ah sim, eu não sabia mesmo. E na verdade acho que muito se perdeu porque tive uma criação bastante tumultuada. Acredito que justamente quando estava tentando descobrir como me consolar e administrar os próprios sentimentos, a minha família meio que evaporou, e o que era uma criação bem comum de classe média virou uma espécie de versão psicótica da Família Sol-La-Si-Dó. E tudo isso aconteceu em um momento de formação, quando eu tinha uns 10 anos.

[20:15] Sinéad Burke: Não tem como isso não ter te afetado.

[20:16] Florence Welch: É, acho que afetou mesmo. Quer dizer, é uma dessas coisas em que eu penso. Especialmente se você teve uma criação basicamente privilegiada, o que foi o meu caso... Eu frequentei uma escola muito boa, nós morávamos em uma bela casa e meus pais eram relativamente abastados. Acho que considero difícil aceitar que a vida não foi tão boa assim por causa dos fatores externos, já que tive a sorte incrível de ter a infância que tive. Eu me identifico com aquela frase do Leonard Cohen, sabe? “Eu lutei com alguns demônios, eles eram de classe média e domesticados.”

[20:51] Sinéad Burke: É aquele espaço de perceber os privilégios que você teve e não querer estar em um pedestal ou plataforma falando como sua vida foi difícil, mas ao mesmo tempo percebendo que trauma e dor não são comparáveis.

[21:07] Florence Welch: É interessante porque eu meio que me recuso a olhar para isso. Tipo, “Não pode ter sido tão ruim assim porque eu tive uma bela casa e uma ótima educação.” Você minimiza tanto, sabe? Mas o que estava acontecendo era que meus pais se divorciaram e o que era uma casa bem cheia com muita gente por perto, acabou se esvaziando. Os dois estavam tendo relacionamentos por fora, então aquela casa que era repleta de amigos e parentes subitamente deixou de existir.

[21:47] Sinéad Burke: Cada um foi pra um lado.

[21:49] Florence Welch: Cada um foi pra um lado. E como se esse vazio não fosse confuso o suficiente, minha mãe se envolveu com uma família que nós conhecíamos há anos e eram nossos amigos. Ele ficou viúvo e começou a ter um relacionamento com a minha mãe. então em algum momento nós nos mudamos para a casa do vizinho. Mas olha, meus pais literalmente fizeram o melhor que puderam. Quando paro para pensar, eles tinham a minha idade quando tudo isso aconteceu. E eu só consigo pensar no quanto eu não tenho a cabeça totalmente no lugar hoje, e nem tenho três filhos! Acredito que minha mãe tenha saído muito magoada do divórcio e esse novo relacionamento era importante para ela, mas a esposa do nosso vizinho tinha morrido há apenas 18 meses e os filhos dele estavam arrasados. Nós também ficamos arrasados, então tinha um monte de gente muito perdida na vida subitamente vivendo embaixo do mesmo teto.

[22:56] Sinéad Burke: Tentando criar um vínculo que nem existia.

Talvez eu queira formar uma família algum dia. Então não posso mais deixar de olhar para isso [minha história familiar]

[23:00] Florence Welch: Acho que passei boa parte dos meus vinte anos sem perceber isso porque só me concentrava no caos imediato, que sempre eram as minhas ressacas, o que eu tinha feito na noite anterior, ou a pessoa terrível que eu era. Aí quando fiquei sóbria e cheguei aos trinta anos, eu procurei ter relacionamentos adultos e talvez, algum dia, eu queira formar uma família. Então eu decidi que não posso mais deixar de olhar para isso.

[23:27] Sinéad Burke: É hora de refletir.

[23:28] Florence Welch: Sim, e muita coisa surgiu daí. Por exemplo, na época eu tive que falar com o meu padrasto porque foi tudo muito difícil. Nós nos sentimos muito desprezados quando mudamos para lá. Ele foi bem direto e honesto, dizendo: “Eu não tinha superado a morte da minha esposa e a presença de vocês era muito difícil para mim.” Então, com 10 anos de idade, você está assimilando essa sensação de não ser querida, de estar atrapalhando ou fazendo algo errado. Acho que ainda hoje, aos 33 anos, se eu sinto que fiz algo errado, magoei os sentimentos de alguém ou estou confusa, eu regrido totalmente para aquela época. E associo tudo isso ao ataque de ansiedade que tive recentemente, pois estava em uma situação com a minha família bem semelhante ao período anterior ao divórcio dos meus pais. Eu senti uma onda de alegria que se transformou em um terror imenso e pensei: “Ah, isso é muito interessante” porque sinto muita dificuldade em ter essa sensação de vínculo e ternura familiar sem ficar subitamente aterrorizada porque acho que tudo isso ficou impregnado em mim em algum momento.

[24:49] Sinéad Burke: Deixa uma marca na gente.

Eu era a irmã mais velha e [com o divórcio dos pais], ganhei dois irmãos mais velhos.

[24:51] Florence Welch: Acho que deixa. E é uma situação esquisita, pois eu não conheço muita gente que passou por isso. Todas as crianças da casa para onde nos mudamos eram nossas amigas de infância, e aí de repente nós viramos irmãos e irmãs. Eu ganhei dois irmãos mais velhos, algo inédito para mim. E essa dinâmica entre irmãos, tipo, eu era a irmã mais velha...

[25:17] Sinéad Burke: Nossa, você foi rebaixada.

[25:18] Florence Welch: Eu sei, fui totalmente rebaixada! Além disso, irmãos mais velhos são malvados.

[25:22] Sinéad Burke: Eu sou a mais velha de cinco irmãos.

[25:24] Florence Welch: Ah, você tem sorte. Conseguiu manter...

[25:26] Sinéad Burke: Você que pensa.

[25:27] Florence Welch: Não é bom?

[25:28] Sinéad Burke: Não. Olha, meus irmãos são incríveis. E acho que por ter essa deficiência física, eu tive a sorte de não precisar fazer boa parte das tarefas que o filho mais velho recebe e não precisei fazer o mesmo que meus irmãos mais altos. Eu dizia: “Ah, eu faria isso se pudesse alcançar.” Chegou ao ponto em que várias vezes me mostravam onde ficava a escada ou o banquinho, dizendo: “Pronto, agora vai lá e faz.” Eu falava: “Não posso aprender a cozinhar porque não alcanço o fogão.” Mas eu fiquei intrigada porque você se define como introvertida e eu já vi você no palco.

[26:05] Florence Welch: É, eu sei. Por isso é tudo tão confuso.

E aí, gostaram? Essa foi a segunda parte da entrevista, que será publicada aqui em quatro partes. Leia a primeira parte aqui e aguarde o próximo domingo para ler a terceira parte!

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