Em entrevista dada à Vogue britânica, Florence Welch finalmente explica um pouco do contexto que levou ao Dance Fever e conta que não foi fácil enfrentar o lockdown e as incertezas causadas pela pandemia. Além disso, ela está repensando suas prioridades na vida e repensando a questão da maternidade. Sorte nossa que Florence canalizou tudo para o trabalho e o novo álbum promete demais. A matéria original pode ser lida aqui e nossa tradução exclusiva está logo abaixo da imagem.
Foto de Autumn de Wilde, que também dirigiu os clipes da era 'Dance Fever' e é responsável pelo projeto artístico da capa do álbum. Agradecemos à @UnlovedToo pela imagem em alta qualidade.
“Como artista mulher, sinto que passo muito tempo gritando para o vazio”: Florence Welch fala das músicas novas, de estar sóbria e da atração exercida pela maternidade
Com o novo álbum, ‘Dance Fever’, a estrela de Florence Welch continua a brilhar forte.
Texto: Olivia Marks Fotografia: Autumn De Wilde Styling: Amanda Harlech
Tradução: Site Florence Brasil
26 de abril de 2022
Em uma época que favorece (e até exige) a reinvenção constante das estrelas do pop, há uma familiaridade reconfortante em Florence Welch, líder da Florence + the Machine. Em uma tarde de sábado, quase 15 anos após ter chegado com tudo à cena musical, ela ainda parece que acabou de sair de uma pintura renascentista: grandes madeixas que parecem saídas de uma pintura de Ticiano, indomadas e caídas ao redor do rosto sem maquiagem e cor de porcelana. O vestido longo e florido da Vampire’s Wife destaca o tom azul-acinzentado de seus olhos.
Mas isso não significa que não tenha havido evolução, tanto no campo artístico quanto na vida pessoal. Talvez devido à emoção crua de sua obra o apreço pela teatralidade, eu não tinha percebido o quanto a artista de 35 anos é engraçada. Por exemplo, não esperava que “aspirar o pó da casa” fosse a resposta para a pergunta sobre como ela se ocupou no lockdown (ela diz ter ficado “obcecada” por um miniaspirador da marca Dyson). “A Florence e a Máquina virou Florence a p*rra do aspirador”, diverte-se ela.
A risada de Florence é constante e contagiosa, variando de risadinhas convulsivas a gargalhadas altas e prolongadas, ricocheteando pelas paredes da sala privativa no Luca. Este aclamado restaurante em Clerkenwell, Londres, é gerenciado pelo cunhado da cantora, Daniel, que está presente hoje e nos alimentando muito bem com fritas com parmesão, bacalhau, vieiras assadas e massa (carbonara para Florence, ravióli para mim). Na verdade, este é um evento de família: a irmã mais nova de Florence, Grace, também está aqui para ver os amigos e até aparece para dar um oi junto com seu bebê, que nasceu há pouco tempo, e a agitada filha de cinco anos. Welch aproveita para babar na sobrinha: “Ela parece comigo quando eu bebia: divertida, mas quer destruir tudo e talvez arruinar a sua vida”, brinca.
Esse senso de humor ácido e levemente autodepreciativo também está presente em Dance Fever, no qual Florence volta aos hinos eufóricos perfeitos para estádios que definiram o início de sua carreira. Após o sucesso do álbum de estreia, Lungs, em 2009, cada álbum da Florence + the Machine (Dance Fever é o quinto) vendeu milhões de cópias. A banda tocou em todos os grandes festivais, foi indicada a seis Grammys e Welch já se apresentou com artistas diversos, de Drake aos Rolling Stones. “Lungs com mais autoconhecimento” é como ela descreve o novo álbum. “Estou meio que dando uma piscadela marota para o que eu mesma criei. Boa parte disso significa questionar meu compromisso com a solidão e a minha ideia de ser uma figura trágica”, diz ela às gargalhadas.
Pegue o primeiro verso de Choreomania, que soa como Kate Bush e tem esse nome por causa do frenesi que levava pessoas a dançarem compulsivamente na Europa no fim da Idade Média: “And I’m freaking out in the middle of the street/With the complete conviction of someone who has never actually had anything really bad happen to them”. (“E estou surtando no meio da rua/Com a total convicção de alguém que nunca sofreu com algo realmente terrível na vida”). Ou a canção eletrônica lo-fi, Free: “Sometimes I wonder if I should be medicated/If I would feel better just lightly sedated”. (Ver tradução completa da letra aqui).
“Como artista mulher, sinto que passo muito tempo gritando para o vazio, tentando fazer as pessoas me levarem a sério, algo que artistas homens não precisam fazer”, constata Welch. Ela estava “cansada demais de tentar provar meu talento para quem nunca iria entender”. Então, simplesmente desistiu. E ”foi libertador”.
A fotógrafa e diretora Autumn de Wilde, responsável pela arte do álbum e pelos novos clipes de Welch, foi fundamental para criar esse mundo novo e livre de Florence. “Ela é um gênio elétrico. Eu senti que o álbum que ela estava fazendo era muito honesto, intenso, moderno, e também rico em termos de fantasia sobrenatural. Eu queria criar uma espécie de portal para um conto de fadas antigo”.
A pandemia estava à espreita quando Welch começou a trabalhar com o produtor Jack Antonoff em Nova York, logo após terminar a cansativa turnê para o álbum de 2018, High As Hope. “É quase como um círculo vicioso”, explica ela sobre a necessidade de estar sempre no estúdio. “Você esquece a dor muito rapidamente.” Além disso, aos 33 anos (o “ano da ressureição”, como ela define), Florence sentia que estava “finalmente se descobrindo e ganhando confiança como artista” e ao mesmo tempo cada vez mais consciente da sensação de “pânico estrondoso de que a sua hora de ter uma família talvez tenha subitamente...”, ela estala os dedos como em um passe de mágica. “Eu tinha essa força me movendo, era como se essas canções quisessem sair. Então eu precisava colocá-las para fora rápido porque tenho outros desejos...”
O impulso desses “outros desejos” — basicamente a maternidade e o impacto que criar um filho pode ter na carreira, no corpo e na mente de uma mulher — foi muito bem explorado em King, a faixa de abertura do álbum. Você já consegue ouvir o refrão “I am no mother/I am no bride/I am king” (veja tradução completa aqui) sendo cantado a plenos pulmões por milhares de mulheres no circuito de festivais de verão. “O cerne da canção é estar dividida entre os dois. Uma certeza que sempre tive na vida é o meu trabalho, mas eu começo, sim, a sentir uma mudança de prioridades. A ideia de que...”, ela abaixa a voz para um sussurro, “talvez eu queira algo diferente”.
Eu questiono de onde vem essa sensação de que não é possível ter os dois, a maternidade e a carreira. Ela faz uma pausa. “Acho que eu tenho medo. Ter filhos parece a coisa mais corajosa do mundo. É a última medida da fé e de abrir mão do controle. Sinto que ter um filho e deixar essa quantidade de amor entrar... Eu passei a vida tentando fugir desses sentimentos grandiosos. Acho que tive a maturidade emocional prejudicada por ter vivido tantos anos com o vício e os transtornos alimentares”. Welch admite ter um “relacionamento muito complicado” com o próprio corpo. Após tantos anos, ela finalmente se sente confortável com ele, mas só de pensar na mudança pela qual passaria nesse processo é algo que ela considera assustador.
Welch está sóbria há oito anos, mas o lockdown foi difícil. “Quando você está sóbria, vive a realidade sem filtros todos os dias, o tempo todo. O cérebro não tem uma folguinha. Tenho empatia para caralho com qualquer pessoa que tenha sofrido recaídas nesses dois anos porque provavelmente foi o mais próximo que cheguei de pensar nisso”. Ela considera “um milagre” não ter voltado aos antigos padrões relacionados à alimentação.
“Houve momentos em que pensei: ‘Será que eu devia começar a cortar o açúcar? Ou fazer um detox?’ E isso para mim é um terreno perigoso. A anorexia dá uma sensação de certeza porque você pensa: ‘Vou controlar isso’. Felizmente, eu tenho pessoas com quem posso conversar e é uma das coisas mais importantes para todo mundo: continuar falando sobre isso e não ter vergonha desses pensamentos, caso eles apareçam”.
Ela passou o período de isolamento em casa, no sul de Londres, com o namorado, um relacionamento do qual ela reluta em falar. É o único momento da entrevista em que a cantora se fecha. E explica que, há muito tempo, encontrou uma revista na casa da irmã, Grace, “de uns cinco anos atrás, mais ou menos. E tinha uma fotomontagem de todo mundo com quem eu saí”. Isso trouxe à tona “uma série de experiências ruins [com a mídia] quando eu era mais nova”, embora ela dê uma risada triste e diga: “Quando você chega aos trinta anos, as pessoas se importam bem menos com quem você está namorando”. Florence agora percebe “que não preciso namorar pessoas ruins para fazer músicas boas”. E ela realmente não tem mais “a energia para viver um imenso estresse emocional e ainda fazer música”.
Esse é um dos motivos pelos quais ela não compôs nada nos seis meses após ter voltado para o Reino Unido (“Ironicamente”, Free foi a última música que ela e Antonoff fizeram antes da pandemia tê-la obrigado a voltar para casa). Sem se apresentar ao vivo, Welch ficou perdida. “Os shows sempre foram a minha espiritualidade. No dia a dia eu sou assolada o tempo todo por pensamentos e pela ansiedade”. Daí, o hábito de tirar o pó casa com o aspirador e passar os dias usando roupas confortáveis. (“Eu não fico em casa brandindo uma espada flamejante”, caso alguém queira saber). Além disso, pela primeira vez, ela passou a ver filmes de terror: O Iluminado, “todos os Suspirias”, todos os do Jordan Peele.
Quando finalmente voltou ao estúdio em Londres, agora com Dave Bayley do Glass Animals no papel de produtor, Welch projetava filmes de terror na parede enquanto eles trabalhavam. As referências aparecem tanto nas musicas quanto nos clipes. Em King, uma versão assustadora nightmarish de Welch quebra o pescoço do amante e sai flutuando com um grupo de mulheres fantasmagóricas, que parecem “dançarinas de cancã mortas... Percorrendo a terra unidas, destruídas e corajosas”, define de Wilde.
Para Welch, isso simboliza o constante retorno ao mundo, às turnês e a ser “uma pessoa exuberante”. Mesmo assim, os últimos anos mostraram que outra vida é possível. Ela se recorda de estar sentada à mesa da cozinha, “olhando para dois velhos amigos. E pensei: ‘Tenho tanta sorte por ter pessoas que amo em minha vida. Talvez nem tudo seja trabalho e conquistas. Talvez existam outras formas de me sentir realizada e com os pés no chão”.
Nesse exato momento, a sobrinha entra pela porta, seguida pelo resto da família. Enquanto Florence pega o sobrinho no colo, algo me diz que a entrevista acabou. Dois dias depois, eu recebo um e-mail em que ela diz: “Tem uma música que não entrou no álbum e tinha a frase ‘the creep of domesticity it both horrifies and calls to me’ (‘O terror da domesticidade ao mesmo tempo me assusta e me atrai’). Mesmo com toda a lógica de pensar que minha vida não é adequada para crianças, a ideia está tomando conta de mim. Quase me assombrando, apesar de tudo”. Por enquanto, ela continua Florence, continua rei.
Dance Fever sai no dia 13 de maio.
Tradução exclusiva do Site Florence Brasil. Todos os direitos reservados.
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